Skip to main content

Após a primeira reunião do novo Conselho de Ministros, o Governo anunciou que sua primeira prioridade vai ser a dinamização de uma estratégia de combate à corrupção em colaboração com todos os partidos com representação parlamentar. Para isso, o novo Governo mandatou a Ministra da Justiça para iniciar um diálogo com todos os partidos representados no Parlamento para aprovar e implementar “um pacote de medidas que seja ambicioso, eficaz e consensual para combater a corrupção“. O Governo fixou um prazo de dois meses para “escutar e beneficiar dos contributos e propostas dos vários partidos e de outras entidades” e, depois, serão iniciados os processos legislativos para a implementação destas medidas.

Mas o Programa de Governo aprovado tem muito mais medidas neste setor, pelo que fomos confirmar que prioridades para a Justiça e a Advocacia o novo executivo selecionou para os seus quatro anos de exercício.

A primeira conclusão é fácil: as palavras ou expressões “Advocacia”, “Advogado”, “estatuto das ordens profissionais” e similares estão ausentes do documento. Não há sequer uma referência às medidas impostas à pressa pelo Governo anterior, como a Lei das Associações Públicas Profissionais ou as alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados dos Advogados.

O Governo defende, sim, uma reforma “sólida, profunda e com um horizonte que vá para lá da presente legislatura” centrando o seu trabalho nesta área em dois eixos: (i) desgovernamentalizar as escolhas políticas de Justiça e (ii) democratizar a reforma. Para isso, o executivo propõe, por exemplo, mudar prazos, mexer nas custas judiciais e rever a carreira dos oficiais de Justiça.

Especificamente sobre o elevado montante das custas judiciais, que o Governo considera representarem um “obstáculo ao acesso dos cidadãos à Justiça”, o executivo quer que passem a ser “claras, transparentes, determináveis e previsíveis” e que “devem ser ajustadas ao serviço efetivamente prestado e pagas em função da situação, circunstâncias e da posição das partes”.

Sobre o problema dos recursos humanos da Justiça, o documento sublinha que “nenhuma reforma da Justiça pode lograr sucesso sem o empenho e a motivação de todos os seus agentes” pelo que “é urgente atrair talentos e valorizar a carreira dos magistrados” e também “valorizar as carreiras dos funcionários da Justiça e dos guardas prisionais”. Neste capítulo, o Governo defende também que “é fundamental que os tribunais disponham de adequadas condições físicas, administrativas e financeiras, que garantam o seu normal funcionamento”.

Por outro lado, o Governo considera que a Justiça económica é um pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável, a coesão social e a competitividade do País e que só com uma Justiça económica que funcione de forma “célere, eficaz e transparente” se conseguirá garantir a confiança dos cidadãos, dos investidores e dos agentes económicos, bem como para prevenir e combater a corrupção, a fraude e a evasão fiscal.

Para isso, o Governo defende que se deve enfrentar os vários desafios e problemas da Justiça, tais como, “a morosidade e a complexidade dos processos, a falta de recursos humanos e materiais, a insuficiência de meios alternativos de resolução de litígios, a desigualdade no acesso à Justiça, a falta de transparência e de prestação de contas, e a insuficiente articulação entre os vários intervenientes do sistema”.

Já no que toca à morosidade da Justiça e do tratamento da litigância complexa, o Governo propõe um conjunto de medidas, algumas com intervenção legislativa, que estimulem a adoção de novas técnicas de gestão processual, para além de uma cultura de eficiência nos tribunais.

Para dar resposta a estes desafios, o Executivo propõe-se atuar em seis áreas distintas:

Reforma da Jurisdição Administrativa e Fiscal

  • Propor Medidas Urgentes para a Jurisdição Administrativa e Fiscal, elaboradas a partir de contributos já existentes, com vista à respetiva implementação imediata;
  • Promover o estudo e um amplo debate sobre as vantagens e desvantagens da unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal.


Celeridade processual

  • Desenvolver alterações da legislação processual penal no sentido de combater a formação dos chamados megaprocessos, que entorpecem a ação dos tribunais e se arrastam anos a fio, frustrando a aplicação de uma Justiça célere e eficaz;
  • Proceder à revisão das normas processuais, nomeadamente em processo civil, em processo penal e em processos administrativo e tributário, de modo a reduzir as situações em que, injustificadamente, é possível a apresentação de expedientes processuais com a única finalidade de atrasar a marcha do processo;
  • Proceder à revisão dos prazos judiciais, de forma a garantir a sua adequação à complexidade dos processos e, assim, assegurar a sua efetiva aplicação;
  • Rever a fase de instrução, tendo em conta as conclusões do Grupo de Trabalho criado no âmbito do Conselho Superior da Magistratura;
  • Criar um mecanismo permanente de avaliação das pendências e celeridade processual, através da publicação de um relatório anual;
  • Rever o regime geral de contraordenações, harmonizando os regimes setoriais;
  • Promover uma cultura de eficiência nos tribunais, nomeadamente através da adoção de medidas de gestão processual, tais como: o cumprimento efetivo pelas secretarias dos tribunais e pelos magistrados dos prazos já previstos na lei para execução dos atos processuais; diminuição da extensão das peças processuais, incluindo decisões dos tribunais; melhoria dos procedimentos para citação e notificação de partes e intervenientes acidentais; agendamento das diligências judiciais com prévia articulação de agendas entre os intervenientes; e aumento do número de salas de audiência disponíveis, por forma a evitar retardamento nos agendamentos;
  • Reforçar a disponibilização de assessores para as magistraturas.


Justiça económica

  • Criar unidades de recuperação de atrasos nos processos, priorizando os mais antigos;
  • Apoiar e fomentar a especialização dos juízes, e não apenas dos tribunais, especialmente nas áreas de contencioso económico em transformação acelerada;
  • Reforçar e simplificar os procedimentos de resolução alternativa de conflitos no âmbito de causas de pequeno valor e de grandes litigantes, libertando os tribunais cíveis, e garantindo uma Justiça mais rápida e eficiente;
  • Facilitar a recuperação extrajudicial das empresas, com a instituição de um procedimento de mediação extrajudicial entre credores e devedores, que incentive a negociação fora dos Tribunais, de modo a aumentar a celeridade nos processos de recuperação, que crie um clima de contexto favorável à recuperação de empresas em situação económica difícil, mas não insolvente, e que evite o estigma que constitui para a recuperação de uma empresa a intervenção judicial na homologação de uma recuperação empresarial;
  • Reformar os regimes de insolvência, com alteração de paradigma nos regimes de insolvência e recuperação de empresas;
  • Agilizar os processos de heranças, em particular quando envolvam bens imóveis e participações sociais em empresas, facilitando o espoletar da sua alienação e/ou divisão
  • (convertendo-se em liquidez essa parte dos ativos da herança), favorecendo em simultâneo a sua resolução fora dos tribunais e evitando pendências de décadas;
  • Simplificar os processos de registo de propriedade, combinando o registo de âmbito notarial e fiscal, e diminuindo os custos de transação em particular de propriedades rústicas de pequena dimensão, contribuindo para uma menor pulverização da propriedade e uma mais rentável gestão do território.


Valorização de carreiras

  • Rever os modelos de formação contínua dos magistrados;
  • Encetar um processo de revisão e valorização das carreiras profissionais dos Oficiais de Justiça;
  • Encetar um processo de revisão e valorização das carreiras profissionais dos Guardas Prisionais;
  • Garantir o reforço e otimização dos recursos humanos, bem como assegurar a qualificação dos profissionais para problemáticas criminais específicas;
  • Aprofundar a especialização dos magistrados.


Sistema Prisional

  • Alargar programas específicos de intervenção nas áreas da Saúde Mental/Toxicodependência/Novas adições e da Delinquência juvenil;
  • Reforçar e alargar as equipas de vigilância eletrónica;
  • Promover políticas de reforço da formação profissional e da recuperação da formação escolar dos reclusos;
  • Reforçar a prestação de trabalho a favor da comunidade como alternativa à reclusão;
  • Redimensionar a rede de Estabelecimentos Prisionais e das equipas de reinserção social e promover a diferenciação e individualização da intervenção dos Estabelecimentos Prisionais.


Acesso à Justiça e funcionamento dos tribunais

  • Promover a reforma do Regulamento das Custas Processuais;
  • Atribuir autonomia administrativa e financeira aos Tribunais de primeira instância;
  • Requalificar os edifícios dos tribunais e reforçar o desenvolvimento dos respetivos equipamentos tecnológicos.
×