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O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (CRLisboa) organizou, a 23 de fevereiro, a conferência “Estados Gerais da Justiça” (EGJ), em parceria com a Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), a primeira iniciativa ao abrigo do protocolo de cooperação entre as duas entidades.

O objetivo era debater o estado e o futuro do setor, reunindo para o efeito operadores judiciários, políticos, jornalistas, responsáveis institucionais, etc. para partilharem as suas ideias, críticas e propostas – o testemunho de como vêm e de como gostariam de ver a Justiça. Neste artigo fazemos um breve resumo dos trabalhos, que pode consultar na íntegra no nosso canal de Youtube, aqui (para facilitar a visualização, os vários painéis dos EGJ são apresentados em vídeos separados).

Na sessão de abertura, estiveram João Massano, Presidente do CRLisboa e Pedro Trovão do Rosário, Diretor do Departamento de Direito da UAL, bem como o Advogado e ex-ministro da Justiça, José Pedro Aguiar Branco.

Aguiar Branco, começou por saudar o conceito escolhido para o evento, uma vez que considera importante o debate alargado, e por ser o tipo de iniciativa que permite fazer a ‘boa pressão’ sobre o poder político – que mais não seja porque a Justiça “é pouco sexy quando chega [à altura] dos atos eleitorais”.

O ex-ministro afirmou que a Justiça não precisa de reformas – uma vez que são apenas remendos – e que o que é urgente é um “pacto de regime”. Independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas, Aguiar Branco disse que é indispensável que “o próximo Governo tenha um ministro [da Justiça] com capacidade de decisão” e que esteja “bem assessorado”.

Na sua intervenção, Aguiar Branco, falou ainda do “problema da violação do segredo de Justiça”, do papel dos Media e do “sentimento de corresponsabilização que deve existir entre todos os operadores judiciários”, e anunciou estar frontalmente “contra o degradar da Ordem dos Advogados”, a propósito das alterações aos Estatutos.

A conferência prosseguiu com José António Barreiros, orador principal, convidado a enunciar os principais aspetos a debate na conferência. O Advogado analisou detalhadamente diversos problemas da Justiça, na área criminal, administrativa e fiscal, na Justiça contraordenacional e na relação com os Media e a Opinião Pública, concluindo que “os diagnósticos estão há muito feitos”, sendo que “o problema não é de diagnóstico, mas de soluções”.

Concordando com Aguiar Branco, o Advogado considera que fazer ‘reformas’ apenas introduz entropia no sistema e cria erros de interpretação nos tribunais e criticou a “política de estatísticas” da Justiça, a má qualidade das leis e a atual degradação dos meios e instrumentos de registo de prova nos tribunais.

 

 

 

A Visão dos Sindicatos

O primeiro painel dos EGJ reuniu os sindicatos dos operadores judiciários, moderados pelo jornalista da CNN, Henrique Claudino.
Manuel Soares (Associação Sindical dos Juízes Portugueses), defendeu que um verdadeiro pacto para a Justiça devia ser materializado não ao nível do acordo entre partidos, mas sim através da criação de uma estrutura com base no Parlamento, para que as decisões e a sua materialização não dependessem dos governos em funções e/ou das legislaturas.

António Marçal (Sindicato dos Funcionários Judiciais) e Arménio Maximino (Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado), falaram do défice gritante de recursos humanos e das dificuldades de recrutamento, da falta de condições de trabalho, da desvalorização das carreiras e dos conflitos com o governo que não têm dado a atenção e o valor que estes profissionais.

Adão Carvalho (Sindicato dos Magistrados do Ministério Público) lembrou que “a Justiça esteve sempre em crise” e lamentou que ‘meia dúzia’ de processos mediáticos distorçam a imagem do setor. Também considerou que um dos maiores problemas foi ter-se aumentado a estrutura da Justiça sem a dotar dos recursos humanos correspondentes e que permitissem ao Ministério Público “não viver em circuito fechado [e] prestar um serviço de qualidade aos cidadãos”.

 

A Visão dos Grupos Parlamentares

Os partidos com assento parlamentar, com exceção do PSD que não pode estar presente, fizeram-se representar por Isabel Moreira (PS), António Pinto Pereira (CHEGA), João Alves Ambrósio (IL), Luís Salgado (BE), João Oliveira (PCP), Pedro Fidalgo Mendes (PAN) e Paulo Muacho (LIVRE). Moderados pelo jornalista e Diretor-adjunto do jornal NOVO, Ricardo Santos Ferreira, as várias forças políticas destacaram a sua visão dos problemas do setor e anunciaram as medidas que propõem nos seus programas eleitorais (ver Tema de Fundo).

 

 

 

 

 

A Visão dos Jornalistas

A sessão da tarde começou com o painel que juntou jornalistas especializados nos temas da Justiça. Moderados por André Matias de Almeida, Vogal do CRLisboa, e por Diogo Agostinho, Economista, Luís Rosa (Observador), Henrique Machado (CNN/TVI) e Carlos Rodrigues Lima (Visão) partilharam as suas ideias sobre o estado e o futuro da Justiça.

Luís Rosa começou por lamentar que, ao nível dos partidos, apenas haja um aparente “consenso mínimo quanto aos problemas da jurisdição administrativo-fiscal, uma vez que impacta a economia e a atração de investimento estrangeiro”. Quanto à morosidade, disse concordar que a ‘Justiça do cidadão comum’ é mais célere do que a dos casos mediáticos, mas sublinhou que a Opinião Pública não perceciona a diferença. Uma discrepância que, disse, afeta gravemente a imagem e a credibilidade da Justiça.

Henrique Machado afirmou que a morosidade da Justiça representa uma ‘falência do Estado’, considerando que o grande problema está ao nível da atração e fixação de recursos humanos no setor, comparando com o que já acontece noutros setores, como a Saúde e a Educação, onde as carreiras públicas deixaram de ser atrativas. Deu como exemplo, o facto de haver despachos de juízes que não são cumpridos – porque não há funcionários para lhes dar seguimento – e sublinhou que “isto choca de frente com um dos efeitos pretendidos da Justiça que é o da prevenção geral” por não se conseguir ver o fim á vista de processos que são lesivos para todos.

Carlos Lima defendeu que “a Justiça vive no caos desde o 25 de abril de 1974 (…) e daqui a 20 anos vamos estar a discutir os mesmos problemas” porque, disse, “nunca houve vontade política para mudar e o sistema judicial também não se deixa reformar”. Sublinhou ainda que “a partir de 10 de março já toda a gente se esqueceu dos pactos da Justiça”, uma vez que “a Justiça não dá votos”.

 

A Visão Institucional

Moderados pela jornalista Filomena Lança do Jornal de Negócios, o painel que encerrou os EGJ juntou os representantes de vários operadores judiciários.

Artur Cordeiro, Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, começou por sublinhar que o principal problema da Justiça é a falta de investimento, que faz com que não haja “uma estrutura que nos permita apresentar os resultados que esperam de nós”. E acrescenta que “podemos ter toda a ‘digitalização’ do mundo que se não houver recursos humanos que a sustentem vamos ter sempre problemas”.

Paulo Morgado de Carvalho, Procurador Geral Adjunto, Magistrado e Coordenador da Comarca de Lisboa, também pôs a tónica no investimento que, diz, “não tem sido o mais adequado” e dá como exemplo tribunais recentes, construídos de raiz, “mas que não foram pensados para durar mais do que 20 anos”. Apesar de concordar que há uma crise da Justiça “desde que me lembro”, fez questão de sublinhar que há muitas coisas que estão melhor do que antes.

João Massano, Presidente do CRLisboa, sugeriu que deveria ser feita uma “análise retrospetiva dos processos que são a minoria estatística” e verificar o que os fez parar tanto tempo, para evitar que as situações se repitam. Advertindo que se “despeja dinheiro na Justiça, ‘chovem’ milhões em investimento tecnológico, mas depois chove dentro dos tribunais e não há tradutores”, lamentou que quando se fala dos problemas da Justiça só se fale dos processos mediáticos e nunca do cidadão comum.

Jorge Batista da Silva, Bastonário da Ordem dos Notários, destacou como aspetos mais graves, os meios técnicos, inclusive de esquadras, conservatórias etc. que considerou “decadentes”, e a falta de formação de todos os recursos humanos do setor, sobretudo em termos de línguas estrangeiras e literacia digital. Outra questão é aquela a que chamou “uma verdadeira lotaria legislativa”, ou seja, o modelo atual de elaboração da legislação, depois de se ter deixado de recorrer às universidades que eram garantes de qualidade. Deu como exemplo os textos dos diplomas das alterações aos estatutos das ordens profissionais, que até em termos de correção linguística eram ‘confrangedores’. Para futuro, disse que o que é preciso é “um ministro da Justiça que decida gerir a Justiça e resolver os problemas práticos” porque, ironizou, só desde que está no cargo, já passaram vários ministros e secretários de estado da pasta, com quem tem reunido e ‘discutido muito’, mas que depois nada é decidido em tempo útil e “fica tudo de novo para o ministro que se segue”.

Duarte Pinto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, disse preferir ter uma visão otimista do setor, depois de anos passados a preocupar-se com o que corre mal na Justiça. Elogiou os pontos positivos do setor, começando pelos recursos humanos, que considerou “uma massa humana excelente e preocupada em aprender”, e considerou que “o maior problema do poder político é que se esqueceu de pensar o direito”, tratando-se de um sistema em que “o legislador legisla sem ouvir quem todos os dias trabalha no setor” e em que tudo parece feito para “o imediatismo”.

Estas e outras conclusões, ideias e propostas dos EGJ serão, em breve, reunidas num documento específico, como base de trabalho para melhorar o setor da Justiça.