A Justiça tem estado arredada dos debates entre partidos e candidatos para as Eleições Legislativas de 10 de março e, apesar de ser normalmente um tema pouco ‘sexy’ nos programas eleitorais, é possível encontrar algumas propostas relevantes para o setor.
No CRLisboa, fizemos uma leitura não exaustiva dos programas eleitorais (que não dispensa a sua leitura na íntegra) e destacamos neste artigo algumas medidas que nos parecem mais relevantes.
Medidas para a Justiça
Todos os partidos estão de acordo no diagnóstico dos problemas do setor convertidos, na prática, na morosidade e complexidade da Justiça e nos evidentes prejuízos para o país, para os cidadãos e para a economia – e para a atividade de todos os agentes do sistema.
Relativamente ao funcionamento na prática do setor e das suas instituições, os programas de todos os partidos referem, entre outras, (i) a necessidade de aumentar a digitalização dos serviços (sobretudo dos tribunais), incluindo o uso da automatização via Inteligência Artificial das tarefas recorrentes, (ii) a simplificação dos processos e trâmites processuais, com destaque para a redução da extensão das peças processuais e (iii) o aumento e a melhoria das infraestruturas e meios dos tribunais, só possível com mais recursos e com autonomia financeira.
No mesmo sentido vão as propostas para (iv) o reforço dos procedimentos de resolução alternativa de conflitos como a expansão dos julgados de paz, (v) a interoperabilidade entre sistemas informáticos dos tribunais, da Administração Pública, incluindo entidades reguladoras, bem como de entidades estrangeiras e internacionais, com vista ao acesso automático a documentos e informações relevantes e (vi) a reformulação e potencial unificação das jurisdições comuns (tribunais judiciais) e administrativa e fiscal, incluindo a unificação dos tribunais superiores e conselhos superiores da magistratura para diminuir assimetrias, mantendo a especialização dos magistrados e funcionários.
Já quanto aos aspetos mais intangíveis da atividade da Justiça, os programas dos partidos querem promover, entre outras, (i) a aposta na qualificação de todos os tipos de recursos humanos dos serviços judiciais, incluindo a revisão dos modelos de formação contínua dos magistrados aprofundando a sua especialização, (ii) o aumento de meios e formação para as estruturas de investigação que lidam com criminalidade complexa, incluindo a assessoria às magistraturas e a criação de equipas interdisciplinares de magistrados de investigação criminal, bem como (iii) a revisão de carreiras e rendimentos dos funcionários judiciais, incluindo do seu estatuto profissional.
Outras medidas passam pela (iv) revisão, melhoria e, em alguns casos, alargamento, do Sistema de Acesso à Justiça e aos Tribunais e do Regulamento Geral de Custas, (v) pela revisão transversal dos prazos judiciais, adaptando-os de acordo com a complexidade dos processos, e da utilidade e necessidade de vários atos processuais em todas as fases, eliminando os que tenham natureza meramente dilatória e (vi) pela criação do recurso de amparo para o Tribunal Constitucional para que os cidadãos possam recorrer diretamente àquele Tribunal sempre que entendam que as suas liberdades, direitos ou garantias estejam a ser violados pelo Estado Português.
Os partidos fazem questão, também, de propor medidas para áreas específicas como a corrupção, a violência doméstica, de género e sobre idosos, a gestão do SEF e de outros serviços públicos.
É o caso da proposta de expansão da rede nacional de apoio à vítima e do aumento da sensibilização e formação específica, bem como da criação de legislação específica e mecanismos de monitorização e intervenção – propostas transversais a todos os partidos, mas com especial ênfase na AD e no PS. Sobre o tema da extinção do SEF, e dos impactos desta medida, apenas a AD e a CDU demonstram preocupação concreta, exigindo uma rigorosa avaliação do seu encerramento e da integração noutros serviços, para identificar e corrigir desconformidades legais, falhas operacionais e áreas de conflito de competências.
Na área dos Serviços Públicos, destaque para a criação da figura do provedor do utente em serviços públicos (uma proposta da AD) com competências para receber denúncias e queixas, auditar os serviços e emitir recomendações e, ainda, a existência de um portal da queixa dos utentes. Para melhorar a comunicação e a literacia da Justiça, são vários os partidos que apresentam propostas, tais como, peças processuais mais curtas e menos ‘palavrosas’ bem como uma melhoria da oralidade, da simplificação e da clareza da linguagem processual – proposta da IL para aumentar a perceção dos cidadãos sobre a Justiça e os casos. Melhorar a clareza e assertividade da legislação é outro passo considerado necessário para aumentar a segurança jurídica e facilitar a sua interpretação e aplicação pelos privados, pela administração pública e pelos próprios tribunais.
Há também propostas mais polémicas e que levantam ‘anticorpos’ no setor, pelo menos junto de alguns agentes, como é o caso da criação de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um “Serviço Nacional de Justiça” assente nos princípios da gratuitidade no acesso e da proximidade dos serviços de Justiça – proposta do BE.