Quando em junho se comemora o Dia Mundial da Criança (data adotada em Portugal, mas para a ONU – Organização das Nações Unidas, 20 de novembro é que é considerada a efeméride oficial) os Media e várias instituições e entidades enchem o espaço mediático com o tema dos direitos das crianças. Mas, infelizmente, o assunto é facilmente esquecido logo que passam as comemorações.
A verdade é que, mais do que falar de Direitos devíamos falar mais de Direito das Crianças, ou seja, aquela parte do sistema de Justiça que deve implementar e defender esses direitos – e isso também passa, e muito, pela Advocacia e pelo papel do Advogado.
Com o Direito cada vez mais presente na vida quotidiana, cada vez mais dinâmica e conflituosa, há que ponderar a introdução de uma mudança de paradigma na forma como a sociedade deve olhar para as crianças, sobretudo como verdadeiros sujeitos de direitos e agentes de mudança.
A importância dessa mudança passa por promover uma lei que proteja devidamente os direitos das crianças e que integre a consciencialização dos problemas atuais, entre os quais:
- A ausência de uma visão sistemática, integrada e compreensiva dos Direitos das Crianças nas políticas públicas;
- O problema estrutural da pobreza infantil e das desigualdades sociais;
- A ausência de informação (desagregada) sobre a infância a nível nacional;
- O problema estrutural do desfasamento entre a lei e a prática na execução generalizada das políticas públicas para a infância; e
- A insuficiência na alocação de recursos humanos, técnicos e financeiros adequados para a execução das medidas nestas áreas.
O papel do Advogado
Para cumprir estes compromissos a Advocacia e o Direito da Família e das Crianças têm um papel relevante. Afinal, é o Advogado é o primeiro responsável pela forma como se inicia e conduz um processo desta natureza e tem um papel primordial na resolução dos conflitos pela via amistosa e cordial (a premência de soluções conciliatórias), devendo ajustar o mandato consoante a realidade que está a acompanhar (a natureza familiar é diferente de um arguido no âmbito de um processo-crime, por exemplo).
É também o advogado o primeiro garante do interesse da criança, tendo sempre em mente o “superior interesse da criança”, por exemplo, na sensibilização dos pais para os danos provocados às crianças com um conflito parental. Mas para ter esse papel, o Advogado deve apostar na formação e numa abordagem multidisciplinar [avaliação da situação jurídica, psicológica, social, emocional, física e cognitiva], uma vez que deve ter não apenas conhecimentos sobre os direitos da criança e matérias conexas, mas também ter formação contínua e específica para comunicar com as crianças de acordo com o seu nível de compreensão.
Do ponto de vista processual, o papel do Advogado é um garante de determinadas práticas como por exemplo, a não marcação de diligências para a mesma hora em processos de divórcio e de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a garantia da presença do Ministério Público como representante legal da criança, a consciencialização para a mediação familiar e sua relevância, tal como para o acompanhamento psicológico e para as vantagens existentes no trabalho conjunto destas duas áreas do saber (direito + psicologia).
No fundo, numa justiça adaptada às crianças, cada advogado deve garantir:
- O cumprimento dos direitos das crianças sempre que elas contactam com os organismos e serviços competentes envolvidos na aplicação do direito penal, civil ou administrativo;
- O respeito pelo direito de todas as crianças a serem informadas sobre os seus direitos, disporem de meios adequados de acesso à justiça e serem consultadas e ouvidas nos processos que lhes digam respeito ou que as afetem; e
- O direito a ser ouvido (a criança) e a ter uma explicação eficaz das consequências dessa audição; procurar um ambiente mais favorável possível para esse efeito e, de preferência, à porta fechada.
Propostas para uma Justiça adaptada às Crianças
Num cenário ideal, de uma Justiça adaptada às crianças e aos seus direitos, seria ainda muito importante, por exemplo, uma aposta na literacia para a Justiça, tornando os direitos humanos, incluindo os direitos da criança, uma componente obrigatória dos programas escolares, bem como para os profissionais que trabalham com crianças.
Por outro lado, deveria ser ponderada a criação de um sistema de juízes e advogados especializados para crianças e melhorado o funcionamento dos tribunais para que possam adotar medidas, nos domínios jurídico e social, favoráveis às crianças e respetivas famílias. Outras medidas relevantes, passariam por:
- Promover a publicação e uma mais ampla divulgação de versões adaptadas às crianças dos instrumentos jurídicos relevantes;
- Assegurar que todos os profissionais relevantes que contactem com crianças nos sistemas de justiça, recebem apoio e formação adequados, bem como orientação prática, de forma a garantir e a aplicar adequadamente os direitos da criança, em particular quando se avalia o interesse superior da criança em todo o tipo de processos que lhe digam direta ou indiretamente respeito;
- Ponderar a necessidade de revisão da nossa legislação, políticas e práticas para assegurar as reformas necessárias e a aplicação dos textos internacionais, sendo que o advogado tem um papel fundamental, como sempre teve ao longo da história.
Os Direitos das Crianças no CRL
O Conselho Regional de Lisboa (CRLisboa) tem feito uma aposta forte na temática dos direitos das crianças, até porque são cada vez mais e maiores os desafios nesta área do Direito e da Sociedade.
O mais recente evento sobre esta temática foi a conferência “O que se passa na Infância não fica na Infância”, que teve lugar no passado dia 13 de novembro, numa organização conjunta do CRLisboa e da Plataforma PAJE – com base no livro com o mesmo título de João Pedro Gaspar, investigador da Universidade Coimbra e Mentor da PAJE, cuja entrevista pode ler também nesta edição.
Outra aposta do CRLisboa para incrementar estas áreas passa por apoiar institucionalmente a publicação de estudos e obras em temáticas do direito das crianças com especial relevância, como é o caso da obra da autoria de Odete Severino Soares, subordinada ao tema “O Direito de participação e audição da criança nos processos judiciais (promoção e proteção – fase judicial, e tutelar cível)”, com lançamento marcado para o próximo dia 10 de dezembro. Este evento contará com a presença de diversos convidados: Virgílio Boavista Lima, Presidente da Fundação Montepio; Armando Leandro, Juiz Conselheiro; Paulo Guerra, Juiz desembargador do Tribunal a Relação de Coimbra; João Zenha Martins, Professor da NOVA School of Law; João Massano, Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados.
Mas há mais iniciativas já levadas a cabo pelo Conselho, entre conferências, e-publicações e podcasts dedicadas ao assunto, das quais pode consultar, aqui, um resumo.
Conferências
As Crianças e a Justiça
Direitos das Crianças
O que se passa na Infância não fica na Infância
Podcasts
- POD ESCLARECER 31 | Quais as possíveis causas do Rapto Internacional e Violência nas Crianças? Ep. 1
- POD ESCLARECER 32 | Quais as possíveis causas do Rapto Internacional e Violência nas Crianças? Ep. 2
- POD ESCLARECER 87 | Como Proteger as Crianças da Violência Doméstica?
- POD ESCLARECER 98 | O que se Passa na Infância não fica na Infância
E-publicações e E-books
- Direito das Crianças
- A Criança no Direito. O Advogado faz a diferença
- III Jornadas de Direito da Família e Menores
- IV Jornadas Direito da Família e das Crianças. Volume I
- IV Jornadas Direito da Família e das Crianças – Volume II