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Responsabilidade ESG: O Custo e a Oportunidade para as Empresas Modernas

Parece que se tornou, hoje em dia, indiscutível que a Humanidade se depara, atualmente,  com uma crise climática sem precedentes, a qual, se continuar a seguir o seu rumo, comprometerá certamente a subsistência da vida biológica na Terra.

Não é, por isso, surpreendente que o Direito do Ambiente se tenha autonomizado por completo enquanto ramo do Direito Administrativo e seja cada vez mais robusto o quadro legal e regulamentar que as instituições internacionais, europeias e nacionais, têm vindo a aprovar com o intuito de preservar o que resta do meio ambiente, punir os infratores e restaurar os ecossistemas degradados.

Catarina Pita Soares, Advogada Associada do Departamento de Energia & Alterações Climáticas da CMS Portugal

Catarina Pita Soares, Advogada Associada do Departamento de Energia & Alterações Climáticas da CMS Portugal

Mas se é inegável a importância que estas normas assumem nos ordenamentos jurídicos, não é menos verdade que estas são frequentemente encaradas como um pesado encargo para as empresas devido às exigências rigorosas e aos altos custos que a compliance ambiental acarreta.

É, por isso, muito provável que, hoje em dia, qualquer empresário, trabalhador ou colaborador esteja familiarizado com as siglas ESG.

Mesmo que esse conhecimento se limite às palavras que cada uma destas letras representa, não parecem já existir dúvidas de que a vida das empresas será, de ora em diante, cada vez mais modelada à luz das rigorosas obrigações que derivam deste “recente” conceito e que afetam as áreas operacionais de um modo transversal.

É que, se de um ponto de vista literal, “ESG” significa apenas “Environmental”, “Social” e “Governance” – o que, à primeira vista, parece tratar-se apenas de um slogan fancy –, a verdade é que estas três letras se têm materializado cada vez mais como uma realidade tangível no ambiente corporativo.

Em termos genéricos, a incorporação de critérios ESG na atividade empresarial exige que as empresas adotem práticas sustentáveis e socialmente responsáveis através da adoção de políticas que podem ir desde a redução da pegada ambiental da operação, à implementação de medidas que promovam a igualdade de género entre trabalhadores ou ao investimento em atividades económicas neutras do ponto de vista carbónico. Sabendo-se que a sustentabilidade e o respeito pelos direitos humanos desempenham no mundo atual um papel igualmente importante a nível de marketing, o ESG evoluiu igualmente para a criação de mecanismos controlados de reporte e comunicação que as empresas devem observar na divulgação do seu desempenho ético e responsável, tudo no sentido de garantir transparência nas “green claims” e pressionar a adoção real e efetiva de práticas comerciais responsáveis.

E se, ultimamente, o quadro jurídico que impõe estas obrigações tem vindo a evoluir e a consolidar-se nos vários ordenamentos jurídicos Europeus, 2024 foi definitivamente um ano crucial nesta matéria, com a publicação, a 5 de julho, no Jornal Oficial da União Europeia, da tão esperada Corporate Sustainability Due Diligence Directive (em português, Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade)[1].

Esta Diretiva introduz obrigações de devida diligência (due diligence) aplicáveis, não apenas às grandes empresas da União Europeia, mas também às empresas de países terceiros que aí exerçam atividades significativas, agora adstritas ao dever jurídico de prevenir, suprimir e/ou reduzir o impacto negativo das suas próprias operações, das suas filiais e cadeias de abastecimento nos direitos humanos e no ambiente. Uma medida que, por ser especialmente inovadora e por, finalmente, incluir as empresas na “corrida” ao cumprimento das metas fixadas no Acordo de Paris, é a obrigatoriedade de adoção de um plano de transição que permita compatibilizar os modelos de negócio com o limite de aquecimento global de 1,5°C acordado pela comunidade internacional em 2016.

Em caso de incumprimento, poderão inclusivamente ser aplicadas sanções calculadas com base no volume de negócios mundial das empresas e ser estas condenadas no dever de indemnizar integralmente as vítimas.

As novas regras aplicar-se-ão gradualmente às empresas da União Europeia e às empresas não comunitárias (incluindo as empresas-mãe) que atinjam certos limiares de volume de negócios[2]. Os Estados-Membros terão até 26 de julho de 2026 para transpor a Diretiva para o direito nacional para que esta passe a vincular diretamente as empresas portuguesas.

Um outro grande marco do ESG cujo peso muito em breve se fará sentir sobre as empresas é o que deriva da Directive on Corporate Sustainability Reporting (Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade, CSRD)[3], que compele cerca de 50.000 empresas da União Europeia e, bem assim, outras tantas sedeadas fora da União[4], ao cumprimento de obrigações de reporte de informação de sustentabilidade nos seus relatórios de gestão de acordo com os European Sustainability Reporting Standards (ESRS), isto é, normas de relato aprovadas por atos delegados da Comissão.

Apesar de a Diretiva já ter sido aprovada em 2022, é agora em 2025 que as primeiras entidades – as empresas já sujeitas à Diretiva relativa à divulgação de informações não financeiras[5] – terão de apresentar os primeiros relatórios, reportados ao exercício de 2024. Outras grandes empresas não abrangidas por essa diretiva (que satisfaçam dois dos três critérios: ter mais de 250 trabalhadores, um volume de negócios líquido superior a 50 milhões de euros ou um balanço superior a 25 milhões) deverão começar a apresentar relatórios a partir de 1 de janeiro de 2026, abrangendo o exercício financeiro de 2025.

Sem prejuízo, cumpre chamar a atenção para o facto de que o prazo de transposição da Diretiva – 6 de julho de 2024 – já foi ultrapassado, mas não existe ainda diploma nacional que regule estas matérias.

Como é bom de ver, o regime estabelecido por estas  Diretivas provoca um impacto transversal na vida das empresas, desde a área de risco e compliance (obrigando à implementação de mecanismos de monotorização e controlo ambientais), às auditorias externas, aos recursos humanos (área na qual os fatores ESG devem igualmente ser incorporados), à cadeia de valor, ao governance (visto que o próprio modelo de negócio deve ser repensando à luz dos objetivos ambientais) e, por fim, às relações com os investidores.

Importa ainda não esquecer que estas obrigações de reporting de sustentabilidade somam-se àquelas que, a nível europeu, já resultavam do Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR, Regulamento 2019/2088) e do Regulamento da Taxonomia (Regulamento 2020/852), que já ocupavam uma posição central na regulamentação do financiamento sustentável, orientando os investimentos para atividades essenciais para a transição para uma economia com baixas emissões de carbono e obrigando à partilha de informação relativa a decisões de investimento e produtos, em consonância com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu.

Finalmente, a nível nacional, o Decreto-Lei n.º 89/2017, de 28 de julho, que transpôs  a já mencionada Diretiva relativa à divulgação de informações não financeiras, faz impender sobre (i) grandes empresas que sejam (ii) entidades de interesse público, que (iii) à data de encerramento do seu balanço excedam um número médio de 500 trabalhadores durante o exercício anual, obrigações de incluir uma demonstração  não financeira no respetivo relatório de gestão. A demonstração não financeira deve conter informações suficientes para compreender a evolução, o desempenho, a posição e o impacto das atividades de uma empresa, no que respeita, pelo menos, às questões ambientais, sociais e relativas aos trabalhadores, à igualdade entre homens e mulheres, à não discriminação, ao respeito pelos direitos humanos e ao combate à corrupção.

Este panorama permite compreender que as obrigações ESG, embora indubitavelmente necessárias para promover a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa, impõem desafios significativos às empresas.

2025, ano em que as obrigações da CSRD começarão a aplicar-se em toda a União Europeia, marcará, sem dúvida, um novo patamar de conformidade regulatória para as organizações, sendo previsível que estas exigências continuem a evoluir, e que novas metas e critérios mais ambiciosos venham a ser estabelecidos.

Resta apenas desejar que todo este esforço não seja em vão e que a Humanidade ainda vá a tempo de reverter o aumento da temperatura global e atingir as metas do Acordo de Paris.

 

[1] Trata-se da Diretiva (UE) 2024/1760 do Parlamento Europeu e do Concelho, de 13 de junho de 2024.

[2] A partir de 2027: para empresas da União Europeia com mais de 5000 trabalhadores e um volume de negócios mundial superior a 1500 milhões de euros. Para empresas não pertencentes à União Europeia com um volume de negócios líquido de 1500 milhões de euros na União. A partir de 2028: às empresas da União com mais de 3000 trabalhadores e um volume de negócios mundial de 900 milhões de euros; às empresas não pertencentes à União com um volume de negócios líquido de 900 milhões de euros na União; E, a partir de 2029, a todas as restantes empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva (incluindo as empresas da União Europeia com mais de 1000 trabalhadores e um volume de negócios mundial superior a 450 milhões de euros; e as empresas não comunitárias com um volume de negócios de 450 milhões de euros na União.

[3] Diretiva (UE) 2022/2464 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022.

[4] Empresas fora da União são abrangidas se obtiverem receitas líquidas no espaço da União Europeia superiores a 150.000.000€ e pelo menos uma filial na União que seja grande empresa, ou cotada, ou com receita líquida superior a 50.000.000€

[5] Trata-se da Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2024.

Catarina Pita Soares

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