Skip to main content

Há já alguns anos que se tem vindo a discutir a possibilidade de redução do período normal de trabalho. Com o aumento do índice de doenças profissionais, com o burnout a ganhar particular destaque na última década, o desenvolvimento da inteligência artificial e a maior procura de uma conciliação entre a vida pessoal e profissional, a semana de 4 dias de trabalho passou a suscitar particular interesse.

Uma semana de 4 dias de trabalho é o mesmo que dizer: uma redução do período normal de trabalho. Ora, considerando que o período normal de trabalho em regime de trabalho a tempo completo, em Portugal, representa, em regra, 40h semanais e 8h diárias, uma semana de 4 dias implicará uma redução das referidas 40h semanais para 32h semanais.

Isto é, já vigora em Portugal o mecanismo de flexibilização do tempo de trabalho, denominado “horário concentrado”, que permite que se concentre as 40h semanais em 4 dias de trabalho. No entanto, tal significaria a prestação de 10h de trabalho diárias. Por outro lado, a prestação de trabalho em regime de tempo parcial, também permite que se realize uma semana de 4 dias, num registo de 32h semanais e 8h diárias, porém, com atribuição de retribuição em proporção deste tempo de trabalho a tempo parcial.

Luís Gonçalves Lira
Advogado; Associado Coordenador na PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, SP, RL; Doutorando em Direito, a desenvolver a tese de doutoramento sobre o tema: “A redução do período normal de trabalho: uma semana de 4 dias de trabalho?”

A afamada semana de 4 dias, conforme temos vindo a conhecer, procura algo distinto: trabalhar menos número de horas diárias e semanais, representando o trabalho normal em cada dia (8 horas, tipicamente), mas em apenas 4 dias por semana, reservando 3 dias para o descanso dos trabalhadores, sem que haja qualquer perda remuneratória.

Diremos, por isso, que a sua génese advém da suprarreferida necessidade de maior conciliação entre a vida pessoal e profissional, da crescente necessidade que os trabalhadores têm sentido de beneficiarem de uma maior autodisponibilidade do seu tempo, despendendo-o em atividades de lazer ou para levar a cabo tarefas pessoais que, em período de trabalho, não conseguem realizar.

Apesar de a figura já ter merecido a atenção de outros países, a verdade é que Portugal não está atrasado na análise e pilotagem da possibilidade de implementação nacional, podendo ainda considerar-se – de forma justa – como um dos países pioneiros na investigação e fomento para que o modelo seja testado, tendo até sido considerado um exemplo para a implementação de projeto similar na Bélgica.

Assim, em 2023, surge o projeto piloto da semana de 4 dias, de uma iniciativa política do Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social do XXIII Governo Português. Em colaboração também com entidades externas e especializadas, foi o mesmo desenvolvido, com mais de 40 empresas que voluntariamente candidataram-se para serem submetidas ao referido teste – com uma duração de aproximadamente 6 meses –, procurando apurar da viabilidade multinível da sua implementação, tendo sido abrangidos mais de 1000 trabalhadores.

Foi, então, a 24 de junho de 2024, emitido o relatório final do projeto, da autoria de Pedro Gomes e Rita Fontinha. Destaca-se, do mesmo, as conclusões no sentido de terem sido verificadas reduções no absentismo, aumento na capacidade de recrutamento e diminuição na rotação de trabalhadores, com particular impacto para as empresas. Na esfera dos trabalhadores, a redução do tempo de trabalho, fruto da semana de 4 dias, refletiu-se, segundo se apurou, na melhoria da saúde mental dos trabalhadores, felicidade  e também em uma melhor conciliação da vida pessoal e profissional.

No que respeita ao indicador da “produtividade”, o mesmo tornou-se de complexa avaliação, o que se compreende, dada a subjetividade inerente a este conceito e os múltiplos fatores externos que podem afetar o mesmo, sem impacto direto na vigência da semana de 4 dias. Sem prejuízo, indica o relatório que, em alguns casos, os gestores das empresas sinalizaram positivamente o índice de produtividade, pelo facto de não existir afetação (ou afetação mínima) em termos de custos finais para a empresa, apesar da diminuição das horas de trabalho semanais.

Outra conclusão com particular interesse é o facto de os trabalhadores com menos qualificações e níveis remuneratórios mais baixos serem aqueles que valorizam particularmente a semana de 4 dias, conclusão que põe em crise a ideia de que esta figura apenas teria aplicabilidade para os altos cargos das empresas.

Por outro lado, ainda no âmbito do relatório, relata-se que apenas se verificou uma procura marginal por uma segunda atividade, a praticar no dia de descanso adicional, o que também valida a ideia de que essa preocupação deverá ser minoritária, quando comparada com os efeitos positivos do dia de descanso adicional na grande maioria dos trabalhadores abrangidos. E, assim, consegue concluir-se que os trabalhadores procuram, efetivamente, beneficiar de mais tempo pessoal, e não tanto da capitalização desse tempo para o preenchimento com mais atividade profissional.

Em suma, o relatório apresenta uma proposta de implementação, dividida em três fases e que pressupõe que tenha a duração estimada de 10 anos.

Neste sentido, importa notar que o projeto piloto desenvolvido em Portugal tratou-se de uma experiência enriquecedora e que visou dar a conhecer, através de concretizações práticas, a possibilidade de implementação de uma verdadeira redução do período normal de trabalho semanal, almejando-se uma semana de 4 dias de trabalho. De certa forma, cremos que permitiu afastar algum ceticismo sempre inerente a uma mudança desta estirpe. Sem embargo, e sendo certo que há ainda necessidade de uma maior concretização e adaptação da figura, para que possa ser implementada de forma normativa, a verdade é que abre portas para que as organizações, querendo, possam ir testando, doravante, projetos pilotos próprios, desde que sejam bem estruturados, inclusive em termos legais. Isto é, uma implementação deste género, carecerá de ser preparada com um acompanhado plano de atuação e acordos com os trabalhadores visados, para que a organização não fique refém do teste que fará, que poderá ser mais ou menos duradouro, dependendo das circunstâncias específicas de cada empresa, designadamente o respetivo ramo de atividade. Tal poderá significar, sem relevante margem de dúvida, tornar-se uma empresa mais atrativa para captação de talento, numa sociedade em que, cada vez mais, o tempo é o bem mais precioso.

Luís Gonçalves Lira

×