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Os contribuintes e os corajosos que os representam, dão muitas vezes por assumido que a AT tem privilégio creditório.

Vânia Alves Pereira | Advogada

Comecemos pelo conhecido princípio: primeiro paga-se e depois impugna-se através do qual a AT salvaguarda que será paga, após a decisão de deferimento ou indeferimento de uma reação do contribuinte, em que este não concorde com o pagamento de determinado imposto.

Ora, por norma a AT não suspende a liquidação mediante a impugnação, e pode em vários casos, autorizar a prestação de garantia como uma forma de permitir ao contribuinte que não entregue diretamente o pagamento (quando deste discorda) mas deste modo, os montantes ficam à disposição da Fazenda Pública em caso de indeferimento.

É observando esta dinâmica tributária que paira a sensação jurídica de que a AT é um credor acima de todos.

Entre nós, caros Colegas, quando representamos um credor e a AT se aproxima, o primeiro pensamento que nos ocorre, é que temos uma má notícia para dar ao cliente, mas, nem sempre é assim.

A AT nem sempre fica em primeiro e a tentativa de exercer este privilégio, nem sempre tem acolhimento, sendo não raras vezes, considerada abusiva.

O contribuinte enquanto credor, pode não ter privilégios, mas existem mecanismos que o protegem e que podem ser por nós utilizados, em defesa dos seus interesses, pois à Fazenda Pública não pode valer tudo.

Partilho convosco uma recente experiência (com as devidas ressalvas para cumprimento do sigilo profissional), numa de muitas situações em que a AT surgiu num processo executivo iniciado por uma credora, pessoa coletiva, alegando privilégio creditório.

Pendiam processos de execução fiscal para pagamento das quantias reclamadas pela AT, e por isso, esses processos executivos estariam suspensos em razão de as referidas quantias estarem a ser pagas em prestação.

A par disto, na situação em apreço, era gritante o impacto de garantir o pagamento à AT em detrimento da credora, porquanto a AT procurava obter um pagamento superior a 800mil euros e a credora estava já perto de receber cerca de 50mil.

Após a reclamação da impugnação de créditos por parte da credora, a AT tentou sobreviver na linha da frente, alegando que os acordos de pagamento estabelecidos, não tinham (ainda) sido pagos pela devedora.

Por outro lado, a AT dispunha já de outras garantias de que a credora não dispunha, como a hipoteca.

A posição da credora em causa, foi assim fundada: na suspensão dos processos executivos (em que era credora a AT) em face dos acordos de pagamento celebrados, no princípio da equidade e proporcionalidade em face da discrepância de valores a serem reclamados (pela AT e pela cliente, credora e pessoa coletiva) e nas consequências que traria a procedência da impugnação de créditos da AT, e ainda, na figura do abuso de direito por todas estas razões e pelo facto da Fazenda Pública ter já outros meios de garantir o pagamento, como a hipoteca.

Evidenciou o Douto Tribunal que: “Nos termos do disposto no artigo 52.º da Lei Geral Tributária: “1 – A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.(…)”

Por sua vez, “a finalidade da acção executiva é o de exigir e obter coercivamente o cumprimento de uma obrigação, que se pressupõe incumprida. A execução tem necessariamente de basear-se num documento, o título executivo, que determina o seu fim ou limites, nos termos do art.º 10.º n.ºs 5 e 6 do C.P.Civil, sendo por ele que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor. A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, cfr. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, pág. 141.”

Assim, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor, nos termos do art.º 777.º n.º1 do C.Civil, e por outro lado, ela é inexigível, em situações como a de quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou, cfr. art.º 270.º do C.Civil e 715.º nº1 do C.P.Civil.

Neste sentido, se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coativa da prestação.

Constituindo a inexigibilidade da obrigação, um fundamento de oposição à execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução e a caducidade de todos os efeitos nela produzidos, como, por exemplo, a penhora ou a venda executiva dos bens penhorados, conforme nos ensina o disposto no art.º 732.º n.º 4 do C.P.Civil.

Ensinou nesta decisão o Juízo de Execução do Porto que: “a obrigação exigível, na acção executiva, é aquela que está vencida – ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação. O vencimento da obrigação é sempre indispensável à sua exigibilidade, mas esta pode reclamar algo mais do que esse vencimento. No plano substantivo, diversamente, a exigibilidade da obrigação não está na dependência do seu vencimento, razão que explica que obrigações puras sejam exigíveis antes de estarem vencidas, cfr. art.º 777.º n.º1 do C.Civil.”

E decidiu: “No caso em apreço, a suspensão das execuções fiscais ao abrigo do disposto no artº 52º, da LGT, determinou que aqueles se suspendam enquanto vigorar o plano prestacional e, correlativamente, tornou inexigível a totalidade da prestação, pelo que a reclamação não pode ser atendível, sob pena de se desvirtuar o sentido do preceito citado”.

Por fim, esta credora, recebeu justiça através das palavras: custas pela AT, ao ser absolvida da reclamação de créditos apresentada.  

Há sempre alguém que diz não à Fazenda Pública: muitas vezes na defesa da sua subsistência quando falamos de contribuintes singulares, da viabilidade dos seus negócios, quando falamos de pessoas coletivas, mas essencialmente na defesa dos seus direitos (em termos gerais e no que respeita à relação com a AT, em particular).

Cabe (e bem) aos contribuintes, questionar os atos da Fazenda Pública que financia, para que a sensação geral nesta relação contribuinte-autoridade tributária possa ser a da justiça e não a de más notícias.

 

Vânia Alves Pereira