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Justiça no Feminino

100 ANOS DE MULHERES NA JUSTIÇA – UM CAMINHO LONGO E ÁRDUO ATÉ À IGUALDADE

Todos os anos, o Dia Internacional da Mulher é pretexto para debater as conquistas e as desigualdades existentes na sociedade, seja na vertente profissional, seja no contexto familiar, entre homens e mulheres. Afinal, apesar do manifesto progresso, o papel das mulheres ainda não é desempenhado em total equidade em relação aos homens, em muitos setores. 

A área jurídica não é exceção, embora o número de mulheres a exercer atualmente seja bastante mais elevado que no século anterior e tenha mesmo passado já a fasquia da equidade, no sentido positivo. Tudo, fruto da democratização do ensino superior e da abertura de profissões que, até ao 25 de Abril, estavam vedadas às mulheres (nas faculdades de direito, o número de estudantes do sexo feminino ultrapassa em larga margem os do sexo masculino, há vários anos). Mas nem sempre foi assim e, antes de falarmos dos indicadores atuais, recordamos um pouco da história das Mulheres na Advocacia.

 

 

Breve História das Mulheres na Advocacia

 

Por toda a Europa, a entrada da mulher na Advocacia só aconteceu no final do Século XIX, início do Século XX. Em Portugal, a primeira mulher licenciada em Direito e Advogada, bem como a primeira procuradora judicial, primeira notária e primeira conservadora do registo predial, foi Regina Quintanilha.

Natural de Bragança, Regina Quintanilha ingressou (com 17 anos) na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1910, tendo o Conselho Universitário sido ‘obrigado’ a reunir propositadamente para deliberar sobre o ingresso de um aluno do sexo feminino. Terminado o curso em três anos foi, em 1913, convidada para reitora do recém-criado Liceu Feminino de Coimbra, mas recusou por ambicionar uma carreira que o Código Civil Português de 1867 vedava às mulheres, o exercício da Advocacia.

Como Advogada, estreou-se no Tribunal da Boa Hora, em 14 de novembro de 1913, depois do Supremo Tribunal de Justiça lhe ter dado autorização para advogar – até porque só em 1918 o Decreto n.º 4676, de 19 de julho, consagrou a abertura plena da Advocacia às mulheres. 

É que, nos últimos anos da Monarquia e nos primeiros anos da I República, não era comum haver senhoras a cursar em Coimbra, mesmo nas classes mais altas, e a exercer uma profissão liberal. Só em 1890 as raparigas são autorizadas a frequentar os liceus públicos e só 16 anos depois é criado o primeiro liceu feminino. Em 1910, a escolaridade obrigatória era dos 7 aos 11 anos – para as mulheres, estava normalmente destinada uma instrução elementar, não lhes sendo pedido mais do que as funções de mulher e de mãe.

No resto da Europa, uns anos antes, a ascensão das mulheres à Advocacia também não foi linear. Por exemplo, no Reino Unido, a primeira mulher a obter uma licenciatura em Direito foi Eliza Orme, que se licenciou no University College London em 1888, mas não foi autorizada a exercer como Advogada.

Só em 1919, com a aprovação do Sex Disqualification (Removal) Act 1919, é que as mulheres puderam entrar na profissão jurídica. A lei de 1919 também permitiu que as mulheres pudessem servir em júris pela primeira vez.

Na Alemanha, a atriz, escritora e ativista Anita Augsburg foi a primeira mulher a obter um diploma de Direito (1897) mas que só com a mudança da lei, em 1922, foi autorizada a exercer a Advocacia. 

Concluindo os seus estudos com um doutoramento em 1897, o primeiro doutoramento em Direito do Império Alemão, foi o seu empenho na defesa dos direitos da mulher que a levou a estudar tendo, para tal, de escolher a Universidade de Zurique, na Suíça, uma vez que no seu país as mulheres ainda não tinham igual acesso às universidades. 

Ao lado de Rosa Luxemburgo, com quem teve uma relação turbulenta, foi uma das fundadoras da Associação Internacional de Mulheres Estudantes (Internationaler Studentinnenverein). 

Na Holanda, Elisabeth Carolina van Dorp destacou-se como Advogada, economista, política e feminista, tendo estudado Direito na Universidade de Leiden e sido a primeira mulher na Holanda a obter um diploma de Direito em 1901, e a ser promovida em 1903. Praticou direito privado e tornou-se ativa em vários movimentos feministas, embora se opusesse às formas mais radicais de feminismo – o seu foco era a instituição do sufrágio feminino.

Na Suíça, foi Emilie Kempin-Spyri, a primeira mulher a licenciar-se em Direito (1887) e a ser aceite como professora académica. No entanto, por ser mulher, não lhe foi permitido exercer como Advogada, pelo que emigrou para Nova Iorque, onde lecionou numa faculdade de direito que criou especificamente para o ensino de mulheres.

 

 

Mulheres na Advocacia: alguns indicadores

No que à Advocacia diz respeito, os dados mais recentes da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça indicam que em 2022, dos 38.804 Advogados inscritos na Ordem dos Advogados, a maioria eram do sexo feminino, representando cerca de 56,8% (22.039 Advogadas). Tendência que se repete quanto ao número de estagiários registando-se 2.222 Advogadas estagiárias num total 3.372 indivíduos.

Esta ‘ultrapassagem’ não é nova tendo sido no ano de 2006 que, pela primeira vez, exerceram Advocacia mais mulheres do que homens – nesse ano contabilizaram-se 12.996 Advogadas face aos 12.720 profissionais do sexo masculino. 

Estes dados podem fazer-nos acreditar que, afinal, o mundo judicial está bastante preenchido de mulheres pelo que talvez não faça sentido usar o termo ‘desigualdade’. No entanto, e apesar do crescimento exponencial do número de mulheres na Classe, este crescimento não tem sido acompanhado por um igual aumento da sua participação nos órgãos de gestão executiva ou disciplinar da Ordem, nomeadamente nos cargos dirigentes.

Desde 1927, a Ordem dos Advogados teve apenas três bastonárias (i) Maria de Jesus Serra Lopes, a primeira Advogada a ocupar este cargo (Triénio de 1990-1992), Elina Fraga (Triénio 2014-2016) e Fernanda de Almeida Pinheiro (Triénio em curso). 

Também no CRLisboa (ou Conselho Distrital até 2015), e apesar de ao longo dos triénios a participação de Advogadas em funções do Conselho ter sempre aumentado, teriam de passar quase 60 anos até haver uma mulher a presidir ao órgão: Mª Clara Lopes (Triénio de 1984-1986), até hoje a única presidente. Antes dela, a primeira Advogada vogal do Conselho tinha sido Mª da Conceição Homem de Gouveia e Sousa (Triénio 1966-1968) cuja indicação já tinha levantado celeuma em anos anteriores quando foi nomeada delegada na Comissão de Assistência Judiciária.

Já ao nível de Secretário-Geral, e desde que o cargo foi criado em 1996, o CRLisboa tem sido dirigido apenas por mulheres: Cristina Salgado (antes Coordenadora Distrital do Estágio e da Área da Formação dos Advogados Estagiários) e, desde 2002, Ana Dias.

 

Mulheres nas demais Profissões Jurídicas: indicadores

No caso do Ministério Público (MP), no final de 2022, de um total de 1653 magistrados, 1083 (65%) eram mulheres, ou seja, quase dois terços do universo de magistrados, segundo dados do próprio MP. 

De notar, ainda que, no que respeita às faixas etárias, os dados do MP evidenciam que o peso do género feminino é bastante acentuado nas faixas mais jovens, constituindo 72,2% dos magistrados com idade inferior a 30 anos, 76,6% dos magistrados com idade inferior a 40 anos e 76,9% dos magistrados com idade inferior a 50 anos. Apenas no grupo dos magistrados com 60 ou mais anos de idade predomina o género masculino (54,9% dos magistrados com idade superior a 59 anos).

É também do Ministério Público, pela natureza mais ou menos mediática dos casos que investigam, que algumas procuradoras se tornam conhecidas do grande público como é o caso, entre outras, de Maria José Morgado que liderou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, de Cândida Almeida que foi diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, que foi dirigido por Fernanda Pêgo até 2023, quando se jubilou.

Na magistratura judicial, e segundo dados da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o número de juízas atingiu 60,37% em 2021: 60,03% nos tribunais judiciais e 62,23% nos tribunais administrativos e fiscais.

Na primeira instância, as mulheres representavam 68,51% do número total de juízes: 68,7% nos tribunais judiciais e 67,27% nos tribunais administrativos e fiscais. Na segunda instância, havia 41,33% de desembargadoras: 40,67% nas Relações e 47,91% nos Centrais Administrativos. Nos dois tribunais supremos, havia 28,04% de juízas conselheiras: 26,22% no Supremo Tribunal de Justiça e 33,33% no Supremo Tribunal Administrativo (dados de novembro de 2019, dos quadros judiciais do CSM e CSTAF)”.

Outros cargos da Justiça

Atualmente, Portugal vai na segunda mulher no cargo de Procuradora-Geral da República, com Lucília Gago a suceder a Joana Marques Vidal, reforçando o facto de as mulheres dominarem já a área da justiça e estarem a chegar aos lugares de topo. 

Já quanto à política, o Ministério da Justiça já foi dirigido por quatro mulheres – Celeste Cardona, Paula Teixeira da Cruz, Francisca Van Dunem, Catarina Sarmento e Castro.