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Opinião:


Diogo Leite de Campos

Advogado e Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Direito de Coimbra e
Professor Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa

 

1. Realizou-se, no passado dia 18 de novembro, na Universidade Autónoma de Lisboa, um colóquio sobre o Estado de direito tributário e os direitos da pessoa. Participaram, como conferencistas, Vasco Valdez (medidas destinadas a diminuir as pendências nos tribunais tributários e a ineficiência endémica de que estes enfermam) João Santos Pinto (juros que não deixam de contar durante pendências litigiosas), Clotilde Celorico Palma (a utilização da inteligência artificial pelos tribunais e pela administração fiscal), Francisco Sousa da Câmara (alegado crime fiscal para ludibriar regras de caducidade e impedir defesa nos tribunais tributários), João Pedro Rodrigues (a usura fiscal: o caso da CG AA), Susana Soutelinho (a prescrição que não prescreve e a caducidade que não caduca), José António Chamorro (a lista dos contribuintes faltosos) Luís Belo (OE para 2024), Júlio Tormenta (os impostos e o direito fundamental à propriedade privada na ótica do Tribunal europeu dos direitos do Homem), Diogo leite de Campos (reconhecer os direitos dos contribuintes para que estes reconheçam os direitos do Estado), Manuel Rodrigues (o relevo financeiro da contagem de juros). Vou expressar a minha opinião com base nas conferências realizadas que têm a minha completa concordância. Está em publicação um livro para que estas exposições possam ser apreciadas por um público mais vasto.

2. O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa determina o acesso ao direito. Tendo, naturalmente, como conteúdo nuclear a obtenção de uma sentença em prazo razoável (n.º 4). Uma sentença muito tardia significa violação desta norma constitucional.

3. No mesmo sentido, o artigo 6.º, 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos prevê o direito a uma sentença em prazo razoável. Este prazo não deve ultrapassar os 3 anos, tem-se entendido.

4. O Estado Português não cumpre sistematicamente a exigência de prazo razoável, com decisões que demoram por vezes, vinte anos. Este estado de coisas revela que o Estado lança sobre os contribuintes os custos de uma morosidade que lhe é imputável. Tem-se perguntado se não haverá aqui uma intenção deliberada de evitar o recurso aos tribunais.

5. As consequências do prazo exagerado, e seja qual for o resultado final, são amiúde muito graves: trabalhadores lançados no desemprego, falência de empresas, reflexos económicos negativos a nível nacional e local.

6. Se o contribuinte ganha ação judicial, perdeu: o pagamento dos honorários do advogado, a limitação à sua atividade económica, a diminuição do crédito bancário, etc. E também um imenso período de tensão e de angústia que podem ter sido muito graves para si e para a sua família.

7. Bastaria a existência deste problema para ser evidente um Estado de direito tributário violador constante dos direitos da personalidade; um Estado fiscal poluído (na designação anglo-saxónica). Mas há outros problemas, como foi descrito por diversos conferencistas.

8. Que fazer? Passado o prazo sem ter havido decisão, deixam de ser devidos juros pelo contribuinte, caducam as garantias prestadas e o Estado fica obrigado a indemnizar o cidadão pelas despesas realizadas por este e pelos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos. Independentemente do resultado final e tudo a partir do período de três anos. Esta conclusão assenta na inconstitucionalidade de normas contrárias, devendo, pois, ser imediatamente aplicada pelos Tribunais.

9. «A AT não pode instrumentalizar o processo criminal, funcionalizando o arsenal punitivo do Estado à prossecução de uma atividade que deveria ser realizada pela AT, designadamente a liquidação de impostos nos prazos legais e de caducidade, submetendo-se naturalmente à sindicância dos tribunais especial

izados em matéria tributária». Isto porque, na prática estamos a assistir com frequência a ações em que a AT não quer liquidar impostos para não se submeter ao crivo dos tribunais fiscais e procurado que o valor do imposto seja pedido ao cidadão-contribuinte pela via da indemnização cível. O que naturalmente é um desvirtuamento do sistema, configurando mesmo um abuso de poder, previsto e afastado no Art. 17.º da CEDH.

10. Existem dezenas de milhares de processos parados nos tribunais. Cuja conclusão é imprevisível: cerca de 40000 processos em 2020. Os diligentes tribunais fiscais têm-se mostrado capazes de resolver um montante de litígios um pouco superior aos litígios novos que a eles chegam. Mas só contando com isto, levariam 20 anos a ser resolvidas todas as pendências. Apesar de, conforme as normas enunciadas muitos processos parados vissem a divida prescrever. Assim, é de propor a criação de novos julgados, apoiados tecnicamente por peritos, para resolver os processos parados. O Estado vê-se compelido algumas vezes aumentar impostos para compensar os custos da morosidade judiciária que envolve a paragem de milhares de milhões de euros.

11. A transição de processos dos TAF para a arbitragem tributária deve ser considerada só uma medida muito transitória de recurso. Podendo ser muito nociva para a arbitragem tributária.

12. Também há que criar uma lei sobre taxas para impedir a multiplicação destas e a criação de impostos sob a designação de taxas.

13. Tudo medidas que se podem aplicar em 2024. Se o estado não respeitar os direitos dos contribuintes como pode pretender que estes respeitem os seus direitos?

14. Quanto aos impostos em geral há que salientar que o sistema fiscal deve obedecer o imperativo do direito ao desenvolvimento económico e social (direito de terceira geração, da coletividade). Temos verificado que sucessivos orçamentos do Estado se preocupam quase exclusivamente em assegurar a satisfação do financiamento da máquina estadual, esquecendo o desenvolvimento económico e social. Sem o qual o país continuará a empobrecer-se e o financiamento do Estado se tornará mais difícil e o pagamento de impostos mais doloroso para os contribuintes.