1. Qual a génese da Plataforma PAJE? E quais os seus objectivos?
João Pedro Gaspar: Ao manter um contacto diário durante mais de quinze anos com crianças e jovens afastados do seio familiar natural e a viverem em instituições (na época, não se denominavam Casas de Acolhimento, antes Lares, Abrigos ou Orfanatos), foi muito fácil tomar consciência que os adultos com quem eles mais privavam eram os seus modelos. Quem almeja contribuir para a educação e formação das crianças pretende, acima de tudo, dotá-los de conhecimentos e valores que os acompanhem para sempre e sejam uma mais-valia na sua vida futura. Mas transmitir conhecimentos é muito mais fácil que transmitir valores, pois esses só vivenciando no quotidiano são compreendidos e imitados.
Foi dessa necessidade de criar laços fortes e duradouros com os jovens e crianças, em contextos informais, que nasceu o “Projeto Cativar”, implementado durante anos com as crianças e jovens de um Lar de Infância e Juventude. Com este projeto pretendia-se fazer um convite às pessoas para que cada vez mais se humanizassem, cativassem e se compreendessem. Foi extremamente gratificante sentir que as crianças e jovens finalmente tinham a noção de pertencer a um grupo securizante, onde se promovia cada vez mais os laços de confiança, amizade, generosidade e responsabilidade.
Temendo pouca preocupação institucional com as transições e com o processo de autonomização, e pretendendo compreender melhor o que falhava neste processo, desenvolvi um trabalho de investigação que culminou numa tese de Doutoramento apresentada à Universidade de Coimbra “Os desafios da autonomização: Estudo compreensivo dos processos de transição para diferentes contextos de vida, na perspectiva de adultos e jovens adultos ex-institucionalizados”. As conclusões mais inquietantes do estudo – o primeiro em Portugal nesta área – passaram pela impreparação de cuidadores, a reduzida instrução para a autonomização e a carência de suporte após a saída do acolhimento.
Assim, e dada a duração temporal no contacto próximo com jovens “cativados”, partilhando angústias e soluções para os vários constrangimentos, aumentou a vontade de encontrar apoios para todos aqueles que foram vítimas precoces da família e/ou da sociedade. Os crescentes pedidos de ajuda e a incapacidade de dar resposta a todos de forma sistemática, aumentaram a necessidade de criar uma rede institucional de apoio – neste contexto… nasceu a “PAJE”.
Os principais objetivos passam por amparar e encaminhar jovens adultos ex-acolhidos no sentido da sua plena autonomização, (re)criar histórias de vida, servindo de “porto de abrigo” e fornecendo apoio informal, trabalhar a autonomização dos jovens que ainda se encontram acolhidos, reforçando o trabalho já realizado pelos cuidadores e evitando situações de vulnerabilidade no futuro, formar cuidadores, promovendo boas práticas e melhorando a compreensão, promover investigação científica, aperfeiçoando o conhecimento e a perceção/divulgação sobre o acolhimento residencial.
No fundo, são 3 eixos: i) apoiar quem já saiu do acolhimento; ii) melhorar o perfil de saída de quem ainda se encontra acolhido; iii) sensibilizar para a temática (a sociedade civil, a academia e os decisores políticos.
2. O livro “O que se passa na infância não fica na infância” reúne testemunhos de 50 personalidades sobre essa fase das suas vidas. Como surgiu este livro? Considera que os relatos presentes no livro podem ajudar os jovens que a Plataforma PAJE acolhe de que forma?
João Pedro Gaspar: A ideia do livro surgiu da necessidade de criar uma campanha nacional de prevenção de maus tratos na infância.
Após 25 anos a acompanhar jovens adultos com consequências desses maus tratos, senti necessidade de evitar que os efeitos duradouros destas vítimas precoces se fizessem sentir em cada vez mais pessoas.
No livro temos relatos de superação, por parte de personalidades que referem episódios negativos na infância, mas que não desistiram de procurar ser “a melhor versão de si próprios”, o que de alguma forma pode ser inspirador para quem se viu privado de um direito fundamental enquanto criança – o de viver numa família.
Por ter, entre as 50 personalidades que nele participam, alguns ex-acolhidos (desde logo o Eder – herói nacional que transformou Portugal em campeão da europa de futebol – que assumem as vivências de angústias e vitórias, acreditamos que seja um contributo para acreditarem ainda mais no seu potencial.
3. No passado dia 13 de novembro, o Conselho Regional de Lisboa e a Plataforma PAJE organizaram a conferência “O que se passa na infância não fica na infância”. De que forma os Advogados podem ter uma ação relevante no contexto da inclusão social e laboral de jovens adultos que ajudam?
João Pedro Gaspar: Importa impedir que crianças em perigo não se tornem adultos perigosos (até para si próprios)! Os advogados, em muitos processos são determinantes pois asseguram o superior interesse de cada criança, mesmo que os seus constituintes (adultos) não o consigam fazer. Guardiões do bem estar emocional presente e futuro das crianças particularmente vulneráveis, podem pugnar por justiça em debates judiciais sobre adoção ou residencialização, mas sem esquecer que divórcios litigiosos ou regulação das responsabilidades parentais poderão igualmente gerar experiências adversas na infância. Como, após a conferência do dia 13 de dezembro no conselho regional de Lisboa ficaram ainda mais convictos que “O que se passa na infância não fica na infância”, vamos acreditar que o contributo profissional tem em consideração a importância do humanismo, pois antes de ser um excelente profissional, importa ser-se um bom ser humano.
Relativamente à inserção laboral e inclusão laboral, acredito que cada advogado ou mesmo as organizações corporativas que os representam saberão como ajudar (tornando-se sócio, consignando o IRS, fazendo donativos, ou mesmo incentivando injunções para a PAJE…) a única entidade em Portugal que se dedica diariamente a essa inclusão e vai recebendo pedidos de ajuda de todo o país.
4. Quais os principais desafios da Plataforma PAJE?
João Pedro Gaspar: Diria que importa muito nesta fase que a PAJE possa garantir sustentabilidade financeira para assegurar recursos humanos com formação técnica na área mas igualmente competências na vertente humana, relacional e empática.
Também a visibilidade é para nós prioritária, pois temos âmbito nacional, mas temos apenas instalações sede em Coimbra. É para nós importante que mais jovens saibam que podem recorrer a nós, assim como as Casas de Acolhimento, para podermos articular na preparação para uma vida em autonomia.
Plataforma PAJE – Apoio a Jovens (Ex)acolhidos
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