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Por,

Odete Severino Soares, Professora Convidada e Doutoranda da NOVA school of Law

Maria Miguel Oliveira da Silva, Assistente Convidada e Doutoranda NOVA School of lAw

 

O enquadramento jurídico em torno do Direito da Família está em constante evolução, dada a sua ligação intransponível ao cerne da sociedade e aos desafios jurídicos emergentes. Em Portugal, esta evolução tem-se refletido num conjunto diversificado de diplomas legislativos que procuram regular as relações familiares, com especial enfoque na proteção dos direitos das crianças, mas não só. Simultaneamente, a legislação nacional bebe também do contexto europeu, que impõe um diálogo normativo constante com os valores vigentes, dada a crescente transnacionalização das relações familiares contemporâneas e a existência de instrumentos jurídicos da União Europeia com impacto direto na matéria.

Assim sendo, apresentamos uma breve sistematização do quadro normativo nacional e da União Europeia em matéria de Direito da Família e das Crianças, procurando destacar os principais instrumentos legislativos aplicáveis em cada uma destas áreas. Neste contexto, torna-se essencial identificar os principais diplomas legais que regulam, de forma direta, questões sensíveis e centrais como a separação e o divórcio, o casamento, as responsabilidades parentais, a união de facto, a adoção e o apadrinhamento civil, as regras relativas à gestação de substituição e aos alimentos. Estas matérias envolvem, com frequência, articulação entre diferentes níveis normativos. Através desta abordagem, pretendemos contribuir para uma visão integrada e acessível do enquadramento jurídico, fundamental para todos os profissionais que atuam nestas áreas.

De seguida, identificam-se os principais diplomas, organizados por temática, com indicação dos respetivos âmbitos de aplicação e relevância prática. Por inoportunidade, não se fará o elenco exaustivo dos artigos aplicáveis do Código Civil a estas matérias, à exceção em matéria de alimentos.

Divórcio, Separação dos Cônjuges e Responsabilidades Parentais

  • O Despacho n.º 18 778/2007, de 13 de julho, cria o Sistema de Mediação Familiar, alargando a mediação a várias zonas do país e contemplando matérias como o exercício das responsabilidades parentais, divórcio, separação, reconciliação dos cônjuges separados, alimentos, uso de apelidos e casa de morada da família. Atualmente, a mediação é regulada pela Lei n.º 29/2013, de 19 de abril, que estabelece os princípios gerais da mediação.
  • O Decreto-Lei n.º 261/1975, de 27 de maio, introduziu o divórcio nos casamentos civis e católicos com base em causas objetivas e subjetivas. Em 1995, com o Decreto-Lei n.º 163/95, de 13 de julho, passa a permitir-se o divórcio e a separação de pessoas e bens na conservatória desde que esteja regulado o exercício das responsabilidades parentais ou não existam filhos menores.
  • A Lei n.º 47/1998, de 10 de agosto, suprimiu o prazo de duração do casamento no âmbito do divórcio por mútuo consentimento e, em 2001, através do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, o divórcio por mútuo consentimento passou a ser da competência exclusiva das Conservatórias do Registo Civil.
  • A Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, estabelece o novo regime jurídico do divórcio, mantendo duas modalidades e determinando que o divórcio pode ser realizado por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. Introduz as seguintes alterações: substituição da designação «poder paternal» por «responsabilidades parentais», refletindo uma mudança conceptual relevante; eliminação do vínculo de afinidade em consequência do divórcio; eliminação dos efeitos da culpa no divórcio; fundamento de divórcio baseado na rutura da vida em comum; exercício conjunto das responsabilidades parentais; criação da figura dos créditos compensatórios; princípio da autossubsistência dos cônjuges; reforço da criminalização do incumprimento do exercício das responsabilidades parentais.
  • A Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, revogando totalmente a Organização Tutelar de Menores. Entretanto, a Lei n.º 141/2015 foi alterada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, promovendo a regulação urgente do exercício das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica.
  • A Lei n.º 137/2015, de 7 de setembro, e a Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, alteram o Código Civil em matéria do exercício das responsabilidades parentais e do regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados.
  • A Lei n.º 5/2017, de 2 de março, estabelece o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais por mútuo acordo nas Conservatórias do Registo Civil, em caso de separação de facto e dissolução de união de facto, bem como entre pais não casados nem unidos de facto.
  • A Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, introduz o n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil, permitindo ao tribunal determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, independentemente de mútuo acordo dos pais, desde que corresponda ao superior interesse da criança.

Adoção e Apadrinhamento Civil

  • A Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro, estabelece o Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil (com as alterações da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro) – tal regime está regulamentado pelo DL n.º 121/2010, de 27 de outubro.
  • A Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, estabelece o Regime Jurídico do Processo de Adoção, reunindo num único diploma todas as normas que regulamentam a adoção nacional e internacional, com exceção apenas das normas substantivas previstas no Código Civil. Com efeito, este diploma alterou o Código Civil no que se refere aos artigos 1973.º, 1975.º, 1976.º, 1978.º a 1983.º, 1986.º a 1990.º e aditou a este código o artigo 1990.º-A. Destas alterações cabe destacar a eliminação da adoção restrita, o reconhecimento do direito e a garantia do acesso ao conhecimento das origens do adotado, consagrando-se na própria lei o dever de informação. Ainda, determina que o processo de adoção é secreto e traduz-se num conjunto de procedimentos de natureza administrativa e judicial.
  • A Lei n.º 46/2023, de 17 de agosto, modifica a idade máxima do adotando e a idade mínima do adotante.

Casamento e União de Facto

  •  O Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, veio introduzir substanciais alterações ao Código Civil, em especial no campo do Direito da Família, nomeadamente a plena igualdade de direitos e deveres entre cônjuges e a não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, o alargamento do âmbito de aplicação dos divórcios aos casamentos católicos e a fixação da maioridade aos 18 anos e da idade núbil aos 16 anos.
  • A Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, regula a proteção jurídica das pessoas que vivem em uniões de facto (com as alterações das Leis n.º 23/2010, de 30 de agosto, n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, n.º 49/2018, de 14 de agosto, e n.º 71/2018, de 31 de dezembro).
  • A Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (Lei da Liberdade Religiosa), a Concordata de 2004 entre o Estado Português e a Santa Sé e as alterações ao Código do Registo Civil, atribuem efeitos jurídicos civis aos casamentos religiosos celebrados perante ministros de culto de igrejas ou comunidades religiosas radicadas no país.
  • A Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, altera o artigo 1577.º do Código Civil, permitindo o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Procriação Medicamente Assistida e Gestação de Substituição

  • A Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, estabelece o regime da procriação medicamente assistida, incluindo o enquadramento da gestação de substituição.

Crianças e Responsabilidades Parentais

  • A Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, substituiu a expressão «poder paternal» pela expressão «responsabilidades parentais», tendo aqui também sido consagrado o exercício conjunto das responsabilidades parentais. O artigo 1906.º do Código Civil, que regula o exercício de tais responsabilidades parentais em caso de divórcio ou separação, passou então a ter uma nova redação.
  • Deste modo, é consagrado o princípio geral de exercício conjunto das responsabilidades parentais no que respeita aos atos de particular importância para a vida da criança. Esta regra só poderá ser afastada quando o tribunal, em decisão fundamentada, entenda que tal solução é contrária aos interesses da criança. Já no que concerne aos atos da vida corrente da criança, as responsabilidades parentais serão exercidas pelo progenitor com quem reside habitualmente. O exercício conjunto das responsabilidades parentais não deve ser confundido com o conceito de residência alternada. Com efeito, este regime não implica que as crianças residam alternadamente com ambos progenitores. O exercício conjunto das responsabilidades parentais diz apenas respeito à tomada das decisões relativas às questões mais relevantes da vida dos filhos. No entanto, o progenitor que não resida com a criança deverá poder conviver com a mesma, conferindo-lhe expressamente a lei o direito a «manter uma relação de grande proximidade» com o filho.

Alimentos

  • Em conformidade com o artigo 1905.º do Código Civil, o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais tem por objeto decidir do destino dos filhos, fixar os alimentos a estes devidos, a forma da respetiva prestação e ainda fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem a seu cargo as crianças.
  • O dever de alimentos está englobado no conjunto dos deveres inerentes às responsabilidades parentais, nomeadamente o artigo 1878.º, ao referir que “compete a ambos os pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens”.
  • Também pode existir a obrigação de alimentos entre os cônjuges. Esta vigora não só durante a vigência da sociedade conjugal, como pode manter-se para além dela, ou seja, mesmo após a extinção do vínculo conjugal, ou mesmo perante a sua anulação (artigo 2009.º, nº 1, a), 2015.º, 2016.º e 2017.º do Código Civil).
  • Essa obrigação entre os cônjuges nasce com a celebração do casamento e decorre, do dever geral de assistência a que ambos os cônjuges estão reciprocamente obrigados (artigo 1672.º). Esse dever compreende, como decorre do artigo 1675º, nº 1, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, mas também do artigo 2015.º, ao estabelecer que «na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges estão reciprocamente obrigados à prestação de alimentos».

Outros Diplomas Relevantes

  • A Lei n.º 166/1999, de 14 de setembro, que aprova a Lei Tutelar Educativa, regulando a intervenção tutelar educativa junto de crianças e jovens com comportamentos qualificados como ilícito-típicos (com as alterações feitas pela Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro).
  • A Lei n.º 147/1999, de 1 de setembro (na sua versão atualizada), que aprova a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, regulando os procedimentos de intervenção em situações de perigo:
    • Diploma que a aprovou: Lei nº 147/99, de 1 de setembro (entrada em vigor em 1.1.2001)
    • Já alvo de oito revisões:
      • 1ª – Lei nº 31/2003, de 22 de agosto,
      • 2ª – Lei nº 142/2015, de 8 de setembro,
      • 3ª – Lei nº 23/2017, de 23 de maio,
      • 4ª – Lei nº 26/2018, de 5 de julho,
      • 5ª – Lei nº 23/2023, de 25 de maio,
      • 6ª – DL nº 39/2025, de 25 de março (já em vigor),
      • 7ª – Lei nº 37/2025, de 31 de março (parcialmente em vigor – atenção, declaração de retificação nº 65/2025, de 2 de abril – «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, com exceção da redação dada ao n.º 2 do artigo 40.º e ao n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, que entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação»;
      • 8ª – Lei nº 39/2025, de 1 de abril (já em vigor)
    • Já as medidas de promoção e proteção estão hoje regulamentadas pelos:
      • Decreto-Lei nº 164/2019, de 25 de outubro (regime de execução da medida de acolhimento residencial) – e Portaria nº 450/2023, de 22/12;
      • Decreto-Lei nº 139/2019, de 16 de setembro (regime de execução da medida de acolhimento familiar), alterada pela Lei nº 37/2025, de 31/3 – ver ainda Portaria nº 278-A/2020, de 4/12;
      • Decreto-Lei nº 12/2008, de 17 de janeiro (regime de execução das medidas de proteção em meio natural de vida), alterado pela Lei nº 108/2009, de 14 de setembro, pelo DL nº 63/2010 de 9 de junho e pelo DL nº 139/2019, de 16 de setembro.
  • A Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, determina novo prazo de caducidade das ações de investigação de maternidade e paternidade.
  • A Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, cria o regime jurídico do maior acompanhado.

União Europeia – Direito da Família

Diplomas em matéria matrimonial, responsabilidade parental, divórcio e separação judicial, obrigações alimentares, entre outros:

  • Competência, lei aplicável, reconhecimento e execução das decisões e cooperação em matéria de obrigações alimentares – Regulamento (CE) n.º 4/2009.
  • Cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial – “Roma III” – Regulamento (UE) n.º 1259/2010.
  • Competência, lei aplicável, reconhecimento e execução das decisões e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu – Regulamento (UE) n.º 650/2012.
  • Apresentação dos formulários referidos no Regulamento supra, aprovados pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 1329/2014.
  • Cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais – Regulamento (UE) 2016/1103.
  • Cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de efeitos patrimoniais das parcerias registadas (Uniões de Facto) – Regulamento (UE) 2016/1104.
  • Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (reformulado) – Bruxelas II ter. Um dos aspetos mais relevantes da reformulação consiste no estabelecimento de regras próprias sobre o rapto internacional de crianças, procurando tornar mais eficaz no espaço da União Europeia a Convenção da Haia de 25 de outubro de 1980 (Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças).
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