… e as ‘Armas’ de quem Vende
O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor celebra-se a 15 de março, uma data instituída por John F. Kennedy, ex-presidente dos Estados Unidos da América, quando na alocução ao Congresso, afirmou que todos somos consumidores e que apesar de os consumidores constituírem um grupo económico muito importante, a sua voz era frequentemente ignorada pelo facto de não estar (então) organizado.
Esta foi a primeira vez na era moderna que se reconheceu publicamente que os direitos fundamentais dos consumidores eram importantes e que deveriam estar na Lei. Kennedy postulou quatro – (i) o direito à segurança, (ii) o direito à informação, (iii) o direito à escolha e o (iv) o direito a ser ouvido – mas ao longo da história da humanidade podemos encontrar exemplos destas preocupações (Ver caixa “Breve História do Direitos do Consumidor”).
Com efeito, todos somos consumidores quando nos são fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa ou entidade que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Desde essa altura os Direitos do Consumidor, e a legislação que os suporta, percorreram um longo caminho e hoje em, em Portugal, encontram-se consagrados na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Defesa do Consumidor. São eles:
- O direito à proteção da saúde e segurança física;
- O direito à qualidade dos bens ou serviços;
- O direito à proteção dos interesses económicos;
- O direito à prevenção e à reparação de prejuízos;
- O direito à formação e à educação para o consumo;
- O direito à informação para o consumo;
- O direito à proteção jurídica e a uma justiça acessível e pronta; e
- O direito à participação, por via representativa, na definição legal ou administrativa dos seus direitos e interesses.
Estes direitos vêm sendo desenvolvidos e regulamentados ao longo dos últimos 30 anos, através de muitos diplomas emanados quer do Governo, quer da Assembleia da República, e têm sido estabelecidas as regras que devem ser respeitadas pelos diversos profissionais que atuam no âmbito das respetivas atividades económicas.
Constituem marcos da defesa do consumidor em Portugal, desde logo, a Lei de Defesa do Consumidor, o diploma aplicável à segurança geral dos produtos e a Lei dos Serviços Públicos Essenciais (que determinou a proibição da suspensão do fornecimento do serviço sem que primeiro exista um pré-aviso), entre outros mecanismos de salvaguarda.
- Um instrumento poderoso, o Livro de Reclamações, constitui uma referência da defesa do consumidor em Portugal: a partir de 2006, a obrigatoriedade de existência da sua disponibilização para um conjunto muito alargado de profissionais reforçou o direito do exercício de queixa enquanto verdadeiro exercício da cidadania.
- Outro instrumento relevante são os mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos – os Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo – quer de competência genérica, quer de competência especializada, em áreas de maior conflitualidade (como o setor automóvel ou os seguros), que vieram facultar aos consumidores uma justiça acessível e pronta, sendo as decisões arbitrais vinculativas como as sentenças judiciais.
Mas a melhor defesa dos consumidores é mesmo estar atento: especialmente em época de crise, os consumidores devem procurar recolher e analisar a informação necessária e entender a verdadeira realidade por trás das propostas comerciais agressivas ou das mensagens publicitárias menos rigorosas, exercendo plenamente os seus direitos e deveres no mercado e na sociedade.
Progresso, Tecnologia e Novos Desafios
Apesar dos avanços conseguidos, as transformações tecnológicas, a globalização dos mercados e a crise económica e financeira colocam aos consumidores novos problemas para os quais há que encontrar respostas.
1. Proteção no Comércio Digital e Fraudes Online |
• O crescimento do e-commerce aumentou os riscos de golpes, produtos falsificados e práticas enganosas. • A falta de transparência nos termos de prestação de serviço e nas políticas de reembolso prejudicam os consumidores. • Os mercados digitais e marketplaces criam desafios na responsabilização dos vendedores |
2. Privacidade e Proteção de Dados |
• As empresas recolhem e utilizam grandes quantidades de dados pessoais para publicidade e perfilagem de consumidores. • Leis como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) procuram proteger a privacidade, mas a sua aplicação ainda enfrenta dificuldades. • Problemas de cibersegurança e violação de dados aumentam a vulnerabilidade dos consumidores. |
3. Sustentabilidade e Consumo Responsável |
• O aumento da preocupação com o meio ambiente leva à necessidade de regras mais rígidas contra o greenwashing (publicidade enganosa sobre sustentabilidade). • As empresas precisam de ser mais transparentes sobre a sua pegada ecológica, origem dos materiais e práticas de produção. |
4. Inteligência Artificial e Algoritmos
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• Os algoritmos influenciam decisões de consumo, podendo criar práticas desleais, como preços dinâmicos abusivos e publicidade manipulativa. • A Inteligência Artificial nos serviços de atendimento ao cliente pode dificultar o acesso a soluções justas para reclamações e problemas. |
5. Globalização e Proteção Transnacional
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• As compras internacionais via grandes plataformas tornam difícil a aplicação das legislações nacionais. • Regras sobre garantia e devoluções variam entre países, prejudicando os consumidores. |
6. Direitos dos Consumidores Financeiros
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• Criptomoedas e fintechs apresentam riscos devido à falta de regulamentação clara. • O crescimento do endividamento e do crédito fácil requer maior fiscalização sobre práticas abusivas. |
7. Acessibilidade e Inclusão Digital
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• Muitos serviços digitais não são acessíveis a idosos e pessoas com deficiência, limitando direitos básicos. • A exclusão digital afeta consumidores em áreas rurais ou de baixa renda, que têm menos acesso a atendimento e informação. |
Em resumo, o percurso da defesa dos Direitos do Consumidor reflete a evolução das relações de mercado e a necessidade contínua de garantir transparência, segurança e equilíbrio entre consumidores e empresas. Hoje, esses direitos são fundamentais para o funcionamento justo da economia global.
O avanço tecnológico e a complexidade do mercado exigem leis mais adaptáveis e fiscalização eficaz para proteger os consumidores. A transparência, a privacidade, a equidade e a sustentabilidade são prioridades para garantir que os direitos dos consumidores acompanhem as mudanças da sociedade moderna.
Breve História dos Direitos do Consumidor |
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Os Direitos do Consumidor evoluíram ao longo da história, acompanhando as mudanças económicas e sociais. Desde as primeiras regulamentações comerciais até as modernas leis de proteção ao consumidor, a busca por relações de consumo justas e seguras tem sido uma constante. |
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1. Antiguidade |
• Código de Hamurabi (1750 a.C.): uma das primeiras leis conhecidas já trazia regras sobre a qualidade dos produtos e punições para comerciantes desonestos. • Roma Antiga: O Direito Romano estabelecia princípios sobre fraudes e garantia na venda de produtos. |
2. Idade Média e Renascimento |
• As guildas medievais regulamentavam a produção e a venda de bens para garantir padrões de qualidade e preços justos. • No Renascimento, o aumento do comércio levou à criação de normas contra fraudes e monopólios abusivos. |
3. Revolução Industrial e Século XIX |
• A industrialização trouxe produção em massa e novos desafios, como o trabalho infantil, más condições sanitárias e produtos inseguros. • No final do século XIX, surgiram movimentos para regulamentar a qualidade dos alimentos e medicamentos (exemplo: Pure Food and Drug Act, EUA, 1906). |
4. Século XX e Consolidação dos Direitos do Consumidor |
• 1962: O presidente dos EUA John F. Kennedy proclamou os quatro direitos fundamentais do consumidor: (i) Direito à segurança, (ii) Direito à informação, (iii) Direito à escolha e (iv) Direito a ser ouvido. • 1972: na União Europeia, a regulamentação dos Direitos do Consumidor evoluiu, desde os anos 1970, para garantir proteção transnacional e padronização das normas entre os países membros. • 1985: a ONU adotou as Diretrizes para a Proteção do Consumidor, incentivando os países a criarem legislações específicas. • 1989: em Portugal, com a revisão constitucional, os interesses dos consumidores adquiriam dignidade de direitos fundamentais (artigo 60.º da CRP). A nova revisão da Constituição de 1997 reconheceu, finalmente, a legitimidade processual das associações de consumidores para defesa dos seus associados ou de interesses coletivos ou difusos (n.º 3 do artigo 60.º da CRP). |
5. Século XXI: Desafios Atuais |
• O comércio digital e as plataformas online trouxeram novos desafios, exigindo leis mais modernas sobre privacidade, segurança de dados e fraudes digitais. • As regulamentações ambientais e o consumo sustentável tornaram-se preocupações centrais na proteção do consumidor. |