Atualmente, com o acesso a tanta informação em tantos formatos, com tantos casos mediáticos e mediatizados, tantos comentadores e debates – além da internet, há ainda esse fascinante recurso da ficção, entre grandes séries de televisão, filmes e romances, sobre Direito, Justiça, Tribunais e Advogados – poderia dizer-se que o cidadão em geral sabe bem como funciona a Justiça e o Direito. Verdade ou mentira?
A verdade é que, se se pode dizer que a Opinião Pública sabe muita coisa sobre o funcionamento da Justiça e dos seus agentes, também é preciso dizer que não sabe muitas coisas corretas e, além disso, é capaz de saber mais sobre como as coisas se passam noutros países. Porquê? Porque além de os seus sistemas serem mais simples e assertivos – ou talvez por isso mesmo – estes aprenderam há muito que comunicar de forma correta e direta era meio caminho andado para ensinar as suas sociedades sobre Justiça e Direito.
Em Portugal, a realidade da Literacia para a Justiça é outra. Apesar de termos muita informação e produção noticiosa sobre o setor, é muito difícil entender como funciona a maioria dos processos e o que fazem os seus agentes. Os próprios Media, mesmo quando estamos a falar de jornalistas muito especializados no tema, têm dificuldade em interpretar e compreender etapas dos processos, a linguagem hermética utilizada (o ‘legalês’) e, por fim, o chamado ‘tempo da Justiça’ e a sua dificuldades crónica em encontrar um modelo de comunicação para o exterior.
Independentemente da complexidade do sistema jurídico português – se poderia ou não ser simplificado e melhorado é outra questão – perceber como ele funciona e qual o papel de cada um é uma competência básica e a falta dela é um problema real porque todos os cidadão, ao longo da sua vida, estão constantemente a praticar atos jurídicos, sem que disso se apercebam e sabendo pouco ou nada sobre Direito.
Para os agentes do setor da Justiça também seria desejável que os cidadãos compreendessem como funciona, porque isso aumentaria a procura dos seus serviços e a importância do papel de cada um. Simplificar a linguagem, falada e sobretudo escrita, também pouparia tempo e trabalho a explicar ou corrigir situações que os cidadãos não perceberam corretamente e levaria a menos incidentes processuais. E aumentaria a reputação e a confiança na Justiça.
Conceito, vantagens e desvantagens
A literacia jurídica é uma competência fundamental na sociedade contemporânea. Compreender os princípios básicos do direito não é apenas uma vantagem pessoal, mas também uma necessidade para o exercício pleno da cidadania. Não se exige que os cidadãos sejam especialistas em direito, mas sim que tenham um conhecimento básico que lhes permita orientarem-se no sistema jurídico, compreender os seus direitos e deveres e tomar decisões informadas em questões legais.
A literacia jurídica é a capacidade de compreender e aplicar os princípios fundamentais do direito, o que inclui entender as leis, os processos judiciais, os direitos e responsabilidades jurídicas, bem como os mecanismos de resolução de conflitos. Esta capacita os indivíduos para compreenderem e defenderem os seus próprios direitos, torna-os aptos a participar ativamente no sistema jurídico e a proteger os seus interesses. Um nível adequado de literacia jurídica também contribui para o cumprimento da lei, ajudando a promover a ordem social e a prevenir conflitos e infrações. Por outro lado, a falta de compreensão das leis pode deixar as pessoas vulneráveis à exploração e injustiça.
Objetivos
Os objetivos dos programas de literacia jurídica passam por, entre outros:
- reconhecer que se tem um direito ou responsabilidade legal, para exercê-lo ou assumi-lo;
- reconhecer quando um problema é um conflito jurídico e quando uma solução jurídica está disponível;
- saber como tomar as medidas necessárias para evitar problemas e, quando isso não for possível, como procurar ajuda adequada;
- saber como e onde encontrar informações sobre a lei e ser capaz de encontrar informações que sejam corretas;
- saber quando e como obter assistência jurídica adequada;
- ter confiança de que o sistema legal proporcionará uma solução, e
- compreender o processo com clareza suficiente para perceber que a justiça foi feita.
Formas de promover
A literacia para a Justiça – como, aliás, outros conteúdos ditos de cidadania – têm de começar a ser ensinados na escola, desde tenra idade, e devem-no ser em vários graus da aprendizagem obrigatória, já que as crianças e os jovens vão ganhando competências e capacidades ao longo do seu desenvolvimento (ver caixa “Projeto 12” e “The Law Project”).
Além da formação escolar, é também importante promover a literacia jurídica entre adultos, através de campanhas, formações, debates e palestras sobre o tema, onde podem colaborar organizações da sociedade civil, agências governamentais e instituições académicas, de modo a aumentar a literacia jurídica da população. Distinta da educação de estudantes nas faculdades de direito e da educação profissional contínua de advogados e juízes, a educação jurídica pública é destinada principalmente a pessoas que não são advogados, juízes ou estudantes de direito.
Para os agentes da Justiça, a melhoria da literacia jurídica dos cidadãos – que vai condicionar a imagem que estes têm da Justiça – começa, desde logo pelas universidades e pela simplificação da linguagem, particularmente nos cursos de Direito. Mas continua depois, na forma como Advogados, Juízes, Tribunais e Serviços da Justiça comunicam em geral, problema que se divide em duas partes: 1) a forma de falar e escrever em geral e 2) a existência de canais e rotinas de comunicação regulares – como a publicação/divulgação de comunicados, a realização de declarações curtas e simples, a leitura de decisões, etc.
É verdade que a Justiça tem um tempo próprio, lento e de reflexão, que não se conjuga facilmente com as necessidades dos Media e com o interesse dos Cidadãos em geral, uma vez que o imediatismo é pouco propenso a transmitir de forma compreensível a complexidade das realidades judiciais. Mas a existência de algumas rotinas ‘oficiais’ poderia melhorar a compreensão do que se passa em várias etapas dos processos e evitar a especulação sobre quem disse ou decidiu o quê.
Assim, a aprendizagem de técnicas de comunicação por todos os agentes da Justiça permitiria uma melhor compreensão do seu trabalho e melhoraria a percepção do público sobre a Justiça. Reciprocamente, isto também ajudaria a reduzir a desconfiança em relação à comunicação social por parte de muitos dos principais atores do sistema, uma vez que também entenderiam melhor as necessidades e rotinas dos Media.
Para os Advogados em particular, ser capaz de se expressar de forma a ser entendido pelo cliente aumenta a confiança no seu trabalho e melhora a procura dos seus serviços – se o Advogado consegue explicar a razão pela qual o seu papel é essencial, o cliente procurá-lo-á pelo seu serviço especializado tal como recorre a especialistas médicos ou educacionais.
PROJETO 12: Trabalhar os Direitos através da Literacia para a Justiça |
O Projeto 12 – “Justiça para Crianças” é uma iniciativa da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, desenvolvida em parceria com o ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa e a Logframe – Consultoria e Formação, e visa contribuir para uma justiça acessível, adequada à idade, rápida, diligente, adaptada e centrada nas necessidades e direitos da criança. Cofinanciado pela Comissão Europeia no âmbito do programa Rights, Equality and Citizenship, procura promover a concretização do Artigo 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989, e ratificada em Portugal em 1990. Este projeto consiste num site dirigido a crianças e jovens e a profissionais, onde se partilham recursos que podem facilitar a audição a diferentes níveis e por escalões etários, mas também a apresentação dos vários atores que intervêm na audição das crianças e jovens (Juiz/a Advogado/a, Procurador/a, Assistente Social, entre outros) bem como as salas de audição nos Tribunais, das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, da Polícia Judiciária e outras. Procurando ser o mais inclusivo possível, disponibiliza materiais em várias línguas, e também para crianças surdas e cegas. Não sendo possível a tradução em todas as línguas das crianças que Portugal acolhe, os materiais estão também genericamente traduzidos em inglês. Para além dos recursos dirigidos às crianças e jovens, os profissionais podem também contar com um manual de boas práticas da audição das crianças “Audição da Criança – Guia de Boas Práticas”, de Joana Alexandre e Rute Agulhas. Baseado nas diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre Justiça adaptada às crianças (2010), o projeto abrange o domínio da audição da criança em processos judiciais (processos de promoção e proteção, de regulação das responsabilidades parentais e outros), mas também processos não judiciais, como é o caso dos processos de promoção e proteção que correm nas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). O projeto assenta num conjunto de práticas essenciais, dos quais se destacam: (i) a sistematização de boas práticas nacionais e europeias, (ii) a produção de kits de materiais para crianças e profissionais, (iii) a capacitação de profissionais, designadamente de magistrados e de membros das CPCJ e (iv) o desenvolvimento de um protocolo de atuação que contempla um conjunto de boas práticas e recomendações sobre uma justiça amiga das crianças. dirigido a profissionais das CPCJ e magistrados. Ver mais em: https://projeto12.pt/ |
THE LAW PROJECT EU |
O The Law Project visa contribuir para os valores comuns, o compromisso cívico e a participação dos cidadãos ao promover a literacia jurídica básica como uma das competências necessárias para que um indivíduo seja ativo na sua comunidade democrática a qualquer nível. O projeto ambiciona a literacia jurídica básica e sua promoção na educação e em outros ambientes educacionais, como um pré-requisito para um sistema democrático de qualidade na União Europeia e nos seus estados-membros. Somente os cidadãos que conhecem e compreendem os conceitos, princípios e termos jurídicos básicos poderão promover plenamente a democracia, apoiar o estado de direito e proteger os direitos fundamentais. O projeto é complementar a vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ODS), especificamente ao ODS 4 (Educação de Qualidade) e ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes). Numa ótima ampliada, o projeto contribui para o ODS 5 (Igualdade de Género) e ODS 10 (Reduzir as Desigualdades). Ao capacitar escolas e professores sobre literacia jurídica básica, estamos a contribuir para a qualidade da educação e para a paz, justiça e instituições mais eficazes em sociedades democráticas. Através dos resultados do projeto, materiais de ensino e aprendizagem, ferramentas e, acima de tudo, com o tema abrangente da literacia jurídica, o The Law Project promove a cidadania ativa e o sentido de iniciativa dos alunos. Ser um cidadão ativo numa sociedade democrática implica termos competências cívicas, mas também significa que um jovem tem de ter um certo conjunto de competências no domínio do direito. O projeto permitirá criar materiais e implementar formação para professores e alunos em literacia jurídica básica, especialmente concebidos de acordo com as necessidades dos jovens de 14 e 18 anos que, tanto quanto sabemos, ainda não é algo oferecido dentro da UE. Tornam-se, assim, essenciais para a sensibilização sobre a importância da literacia jurídica e do desenvolvimento de competências que todos os cidadãos europeus deverão possuir. A plataforma Com base no desenvolvimento do Quadro de Competências em Literacia Jurídica, do Manual do Aluno e do Manual para Professores, este curso foi desenvolvido para que os alunos conheçam os principais conceitos e termos jurídicos e é dividido em 5 módulos: Módulo 1 – Porquê a lei?, Módulo 2 – O direito na vida quotidiana, Módulo 3 – Como são feitas as leis?; Módulo 4 – O que isso tem a ver comigo? e Módulo 5 – Vantagens de conhecer a lei. Ver mais em: https://thelawproject.eu/pt-pt/ |