Os Media sempre foram uma força importante na comunicação e formação da Opinião Pública sobre uma variedade de assuntos relevantes e a Justiça é, talvez, um dos mais importantes. Mesmo numa época em que a mediatização excessiva e a ‘pressa’ de comunicar pode ser mais prejudicial do que benéfica, o Jornalismo e os jornalistas são agentes essenciais na explicação e esclarecimento das temáticas jurídicas – até porque sendo eles próprios ‘consumidores’ em primeira instância, da informação jurídica pura, que têm depois de ‘traduzir’ para a Sociedade, são os primeiros a deparar-se com dificuldades e obstáculos na compreensão, interpretação e acesso a dados corretos, acessíveis e assertivos que se possam transformar numa notícia verdadeiramente compreensível para todos.
Por isso, quisemos saber a opinião destes profissionais sobre a literacia jurídica em Portugal, que avaliação fazem da forma como os agentes da Justiça comunicam e que melhorias consideram necessárias para melhorar essa comunicação. Assim, perguntamos a vários jornalistas de vários órgãos de comunicação social, tendo em conta a sua experiência como jornalista …
1) Como carateriza a forma e a linguagem utilizadas pelos agentes da Justiça para comunicar com a Sociedade?
2) O que pensa que podia e/ou devia ser alterado, visando uma melhoria da literacia jurídica?
Estas são as suas respostas e propostas.
Ana Henriques + Público |
1) Variando muito consoante o magistrado/advogado, surge como legítima a preocupação expressa pelo novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Cura Mariano, quando apelou recentemente aos juízes para dispensarem a linguagem barroca. Como declarou o conselheiro em Junho passado: “É necessário que as decisões dos tribunais sejam redigidas de uma forma clara, e que as mesmas, sempre que tenham ou devam ter repercussão pública, sejam comunicadas de modo que a generalidade dos cidadãos as entendam. Não se espere credibilidade sem transparência. Temos que abandonar o estilo barroco das nossas decisões, a que nos conduziu uma cultura judiciária pretensiosa, sem quebra do rigor jurídico”. Ainda assim, esta não é a jurisdição a mais complicada para os jornalistas, por muito que as expressões numa língua morta, o latim, fossem dispensáveis, pelo menos sem a devida tradução. Interpretar a linguagem empregue nos tribunais administrativos e no direito administrativo é, sem dúvida, das tarefas mais difíceis para os profissionais da comunicação social, mostrando-se muito mais problemático do que nos chamados tribunais comuns. 2) Promover cursos frequentes para jornalistas ou pelo menos sessões de esclarecimento seria um caminho possível. Tal como podcasts e outras iniciativas que possam aproximar o cidadão comum daquilo que é o Direito. |
Carlos Rodrigues Lima + Visão |
1) Talvez por excesso de (de)formação jurídica, a linguagem acaba sempre por resvalar, apesar do esforço em sentido contrário, para o “Legalês”. Ora, isto torna, na maioria dos casos, a mensagem completamente incompreensível pelo “homem médio”, o tal que, muitas vezes, inspira os tribunais na análise crítica da prova. Cada vez mais, a linguagem no espaço público quer-se simples (sem ser simplista), concisa (para não fazer dispersar o interlocutor) e certeira (sem a retórica de uma sala de audiência). 2) Ler jornais, ver e ouvir noticiários (TV e Rádio), perceber que, para cada meio, há uma forma concreta para comunicar. No fundo, assim como os jornalistas, ao lerem peças processuais, aprendem conceitos, práticas e procedimentos da Justiça, os operadores judiciários, analisando o trabalho dos media, também deveriam apreender a forma de simplificar a mensagem. Por exemplo, mais vale dizer que “os credores estão a contestar contratos celebrados pelos devedores, porque isso pode colocar em risco o seu crédito”, do que declarar que os primeiros avançaram com uma “impugnação pauliana”. Alguns homens médios ainda podem ser levados a pensar que os credores foram cobrar dívidas à paulada. |
Fernando Carneiro + Lusa |
1) A linguagem frequentemente utilizada pelos agentes da Justiça tende, em razão da formação académica e profissional dos mesmos a ser demasiado complexa, fechada e indecifrável para o cidadão comum não jurista. Daí que se diga que o sistema de justiça fala e comunica com o grande público em “juridiquês”, utilizando, não raras vezes, termos demasiado técnicos que escapam à compreensão do destinatário ou até expressões em latim, que muitas vezes só servem para exibir erudição ou elitismo intelectual. Não é por acaso que muitos países, alguns dos quais que também falam em português como o Brasil, lançaram já programas destinados a fomentar nas profissões jurídicas uma simplificação e clareza na linguagem, incluindo nos acórdãos e outros documentos jurídicos. 2) Bastaria seguir algumas recomendações públicas já formuladas por presidentes do STJ e dirigentes da ASJP no sentido de serem elaboradas sentenças e acórdãos mais curtos, concisos e percetíveis para o comum cidadão, até como veículo e instrumento que garanta um melhor acesso e compreensão da justiça. Este caminho terá que começar nas próprias Faculdades de Direito (onde predomina o academismo e uma retórica antiquada) e também no Centro de Estudos Judiciários que forma e molda os futuros magistrados. |
Isabel Alves + Lusa |
1) A linguagem usada no meio judicial é muitas vezes críptica, fechada, demasiado técnica e demasiado rebuscada, sobretudo ao nível dos tribunais. Com isso cria-se um afastamento do cidadão comum em relação à Justiça, dificultando o acesso e a compreensão, desde logo porque não há uma simplificação de linguagem na origem, dificultando o trabalho dos jornalistas, que muitas vezes se sentem tentados a reproduzir a linguagem técnica por falta de conhecimentos técnicos e jurídicos que permitam avançar com essa mesma simplificação com a garantia de que não estão a cometer erros. 2) As recomendações, com origem no próprio meio judicial, nomeadamente ao nível da presidência do Supremo Tribunal de Justiça, que aconselham uma simplificação da linguagem usada nas sentenças, em particular, mas na comunicação jurídica de forma geral, deviam ser acatadas, em benefício do próprio sistema, que se tornaria mais inteligível. · O exemplo das decisões judiciais ao nível dos tribunais europeus, elaboradas com uma estrutura simples, clara e com uma linguagem próxima do cidadão comum, podiam ser um modelo a considerar. · Retirar a tecnicidade e o carácter académico, quase científico, da linguagem do Direito na comunicação jurídica é fundamental para uma melhor compreensão. · A formação em Direito devia considerar a linguagem como parte integrante. · Mais assessoria e mediação na comunicação judicial, sobretudo ao nível da comunicação social, seria também vantajoso para uma maior clareza na mensagem. |
Leonardo Ralha + DN |
1) Tende a prevalecer uma muito compreensível utilização de linguagem jurídica, nem sempre facilmente decifrável por quem não tenha formação em Direito. As dúvidas que muitas vezes se levantam aos jornalistas que escrevem sobre estes assuntos agravaram-se com a redução das redações e consequente retrocesso no grau de especialização dos profissionais da comunicação. 2) Além da (comprovada) disponibilidade de dirigentes da Ordem dos Advogados, bem como de outros agentes do sector, para esclarecer dúvidas dos jornalistas sobre o que está em causa em processos e decisões, nunca serão excessivas as iniciativas que contribuíram para aprofundar a literacia jurídica daqueles que têm a missão de escrever notícias sobre assuntos relevantes para um grande público, constituído maioritariamente por leigos no que toca ao Direito. Tendo em conta os constrangimentos dos meios de comunicação social, sugiro que haja um esforço na criação de ações de formação não presenciais. E mesmo na produção de tutoriais temáticos. |
Liliana Monteiro + Rádio Renascença |
1) O tema é cada vez mais debatido e há melhorias que se vão registando no terreno, no entanto, há ainda muito caminho a fazer. O tom de voz muitas vezes baixo, as comunicações pré formatadas e imensamente formais, a ausência de uma explicação desconstruída imediata, dificultam a vida de quem lida todos os dias com a justiça e muito mais de quem com ela lida pontualmente. Há profissões judiciárias que já conseguem falar de justiça com linguagem comum, outras que ainda consideram que fazê-lo é diminuir as decisões e a importância da instituição. Por outro lado, já se assiste a Juízes a fazerem sumulas de decisões, resumos em linguagem corrente dirigida aos arguidos, o mesmo não acontece na hora de transformar a decisão num documento escrito e o mesmo se aplica ao Ministério Público. Os advogados são talvez a classe profissional que melhor evolução fez em matéria de comunicação fruto de um relacionamento necessariamente mais informal com o cliente, logo com a comunicação social e com quem os rodeiam. É preciso um ‘balcão do esclarecimento da justiça’ onde não existam palavras inexplicáveis e impossíveis, de onde o cidadão não saia com dúvidas. O mesmo se aplica à comunicação social com quem os agentes têm de perder medo de falar. Falar/explicar nem sempre viola [o Segredo de Justiça], não é impossível, não diminui, pelo contrário aumenta a lucidez e o conhecimento sobre a justiça. Para que a justiça administrada em nome do povo seja entendida pelo povo. 2) A formação da Justiça para a comunicação é fundamental, assim como é importante aumentar a literacia jurídica da população, só assim a justiça pode ser melhor entendida e usada. Na era digital o conhecimento está muitas vezes à distância de um clique, mas isso apenas não basta e muitas vezes não serve. · Seria possível começar a incuti-la desde a fase escolar? Talvez seja uma possibilidade, para que se formem cidadãos cada vez mais informados sobre os seus direitos, sobre a lei do seu pais e responsabilidades. · Poderia o serviço público de comunicação definir rubricas que ensinassem as linhas mestras do jurídico? Seria uma opção que, de forma atrativa, rapidamente cativaria uma franja da população. · O Direito não serve apenas para quando se tem um problema com a justiça, serve para vivermos em sociedade no dia a dia. Acórdão ou sentença, alçada, citação, trânsito em julgado, cúmulo jurídico, são termos que uma grande percentagem de portugueses não domina. |
Nuno Mandeiro + CNN Portugal |
1) Cada caso é um caso, mas, em regra-geral, a linguagem jurídica tende a ser demasiado densa e a sofrer de um enraizamento, por vezes, excessivo de termos técnicos. Com isto, pode cair no risco de ser mal compreendida ou até mesmo de se tornar incompreensível para o cidadão comum. Pegando, a título de exemplo, que definições como preso e detido ou furto e roubo podem para muitos, dependendo dos leitores a que se destina, ser consideradas sinónimos, fica clarividente que a utilização de determinados termos ou o uso de expressões pouco usuais na comunicação quotidiana acarretam o risco de não ser interpretadas da maneira correta ou até mesmo de serem lidas como meras palavras de significado desconhecido para o recetor. 2) Se a questão se prende com o ponto vista comunicacional, a solução passaria pelo uso de uma linguagem mais simplista, mais próxima da escrita jornalística, que preferencialmente deveria assentar em palavras e terminologia que são do senso comum, que se esforça para ser o mais concisa possível e que tende a ser de compreensão clara para que seja acessível ao mais vasto número de destinatários possível. Contudo, num espetro educacional, também poderiam existir algumas mudanças que permitissem ao comum cidadão não se sentir alienado do universo da linguagem da Justiça. Aqui, talvez fosse positivo haver uma maior aposta em transmitir aos alunos algumas bases gerais de literacia jurídica, algo que consequentemente facilitaria esta comunicação entre o que acontece nos tribunais e na sua envolvência. Aliás, muito à semelhança do que se passa no caso da Economia, em que o desconhecimento de termos técnicos, que inevitavelmente serão úteis durante a vida, se faz sentir em parte da população sem formação específica. |
Jornalista de uma Televisão nacional que preferiu não ser identificada |
1) Creio que é muitas vezes virada para quem percebe dos temas e não chega ao cidadão comum. Mas, dependendo do tema e dos objetivos essa deverá ser a função do jornalista especializado em Justiça 2) Creio que uma formação que descomplique a forma, sem se perder o conteúdo, poderá ajudar. Mas, mais uma vez, a importância do jornalismo especializado – é ele que deve explicar para grande público. |