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Férias, Profissões Liberais e Burnout

O Verão é um período de férias, descanso e de interrupção das responsabilidades laborais para todos. Ou talvez não? É verdade que na maioria das profissões esta premissa é válida, mas quando falamos de profissões liberais e, em particular, da Advocacia, a realidade é bem diferente.

Esta situação é particularmente válida para os Advogados que exercem a profissão em prática individual e/ou em pequenos escritórios de Advocacia, onde interromper o trabalho por umas semanas, ou mesmo por uns dias, representa, quase sempre, ficar sem uma parte do rendimento. Além disso, a exigência da profissão – onde além de acompanhar os casos e clientes que se tem entre mãos ainda é preciso ser proativo e estar sempre ‘de olho’ em novas oportunidades de trabalho – leva muitos Advogados a prescindirem eles mesmos de períodos de descanso, mesmo os que trabalham em grandes sociedades.

O resultado é, como bem sabemos, um aumento de situações de burnout, exaustão, problemas de sono, depressão, problemas familiares e potencial de abuso de álcool e drogas. Este é um problema sério para os escritórios de Advocacia, uma vez que funcionários esgotados podem dar origem a níveis mais baixos de satisfação profissional e levar até ao abandono do posto de trabalho. Os Advogados que, repetidamente, sentem que são incapazes de satisfazer as exigências do trabalho – devido à falta de tempo, recursos, liderança ou energia – são mais propensos a experimentar os efeitos negativos do esgotamento.

Assim, evitar esse esgotamento é uma responsabilidade conjunta de empregadores e de cada Advogado, devendo ser levadas a cabo mudanças culturais para priorizar o bem-estar dos profissionais, tais como permitir autonomia, reconhecer o seu contributo e equipar os escritórios com recursos tecnológicos para evitar cargas de trabalho excessivamente altas. Mas os Advogados também têm de tomar nas suas próprias mãos a redução do stress.

Porque é necessário ‘Parar’

Não é nenhum segredo que os Advogados, muitas vezes, trabalham longas horas enquanto navegam no intrincado labirinto dos escritórios e da prática da Advocacia individual. O ambiente de alto stress e a carga de trabalho exigida deixam, muitas vezes, muito pouco espaço para momentos de paragem.

As férias, no entanto, desempenham um papel crítico nesta profissão: servem como um ‘oásis’ no meio da intensidade do trabalho jurídico, proporcionando uma pausa necessária e, ao mesmo tempo, rejuvenescendo a mente e o corpo. Uma pausa na hora certa também aumenta a produtividade no regresso, estimulando a criatividade e renovando o foco nos objetivos globais. É como carregar num botão de ‘reset’ da saúde mental, ajudando a obter perspetiva e, ao mesmo tempo, aprimorando estratégias de resolução de problemas.

Além disso, pausas regulares ajudam a prevenir problemas graves de saúde associados a períodos prolongados de stress, como doenças cardíacas ou depressão. Assim, priorizar o autocuidado não é apenas benéfico – é essencial para o sucesso sustentado da carreira jurídica.

O truque é aprender a estabelecer o equilíbrio entre trabalho e descanso, entre a profissão e a viva pessoal, em que as pausas são uma essencial ‘fatia do bolo’, junto com os hobbies, a espiritualidade, a família, os amigos e o trabalho. As férias fazem parte desse equilíbrio geral.

Porque é tão difícil ‘parar’

Muitas vezes, mesmo quando até se conseguiria ‘fugir’ por uns dias, o trabalho necessário para deixar tudo preparado para estar ausente é tanto que, quando finalmente se chega ao destino, são precisos dias para se recuperar da exaustão. O contrário também acontece: muito antes da viagem terminar, a pessoa começa a antecipar as preocupações que vai encontrar e, quando efetivamente regressa ao escritório, as pilhas de papelada, mensagens e telefonemas urgentes e e-mails à espera põem qualquer um a perguntar: valeu a pena?

O Advogado de hoje enfrenta maiores exigências dos clientes, o fardo das metas de horas faturáveis e muitas pressões autoimpostas para que os seus serviços sejam perfeitos e para que possa progredir na carreira. Os litigantes têm uma dificuldade adicional: as audiências em tribunal – sendo verdade que os tribunais fecham cerca de dois meses por ano (aprox. 1,5 meses no verão e 15 dias no Natal), os Advogados que trabalham com casos urgentes têm mais dificuldade em fazer uma pausa mesmo nessas alturas.

Tirar férias também é um equilíbrio difícil em escritórios mais pequenos, onde os sócios têm de acordar um mapa global que permita manter o bom funcionamento e o atendimento dos clientes – e quanto menor for o escritório, maior o esforço de planeamento pré-férias que tem de ser feito antes de se poder partir.

Tipos de pausa, duração e modelo

Tendo ficado claros os benefícios e a necessidade imperiosa de fazer pausas no trabalho de Advocacia, restam três questões interligadas:

  • Quanto tempo de paragem é suficiente para se considerar ‘férias’?
  • Que duração devem ter?
  • Qual deve ser o modelo de ‘ligação’ ao escritório que o Advogado deve ter durante esse período?

A questão de quanto tempo de férias é necessário é como perguntar quanto tempo de sono se precisa: há pessoas que precisam de mais tempo, outras de menos.

  • Há quem só consiga descansar se tiver uma pausa de 15 dias, duas vezes por ano;
  • Outros preferem fazer meia dúzia de fins-de-semana alargados ao longo do ano.

A quantidade de tempo de pausa que se consegue acomodar confortavelmente também depende do tipo e da área de prática.

  • Quem trabalha em grandes escritórios terá sempre mais flexibilidade para estar ausente sem prejudicar o fluxo dos clientes do que quem trabalha em prática individual.
  • Em décadas anteriores (anos 1970, 80 ou 90) – quando os horários dos tribunais e serviços eram mais restritos e a pressão para ‘produzir’ era menor – era mais comum os Advogados terem períodos de férias semelhantes aos de outras profissões, gozando normalmente de umas semanas no verão e mais duas semanas no inverno.
  • Nas pequenas empresas, os Advogados tiravam folga às sextas-feiras.
  • Agora, muitos só conseguem tirar duas semanas por ano, dificilmente juntas e estando sempre comunicáveis.

A questão da disponibilidade total, parcial ou nula é outra dificuldade a gerir, até pelo próprio Advogado.

  • Há aqueles para quem estar completamente offline é mais stressante do que manter uma ligação controlada ao escritório. São aqueles que se sentem melhor levando o computador e o telefone e definindo um período diário para verificar o email e as mensagens e encaminhar o que for mais urgente.
  • E há aqueles para quem ter o telefone sempre ao pé e receber as notificações de emails ou mensagens não os deixa ‘desligar’.
  • É por isso que é preciso definir critérios para esta questão, antes de ir de férias.

Estratégias para ‘parar’ sem prejudicar a prática

Como já vimos, para um Advogado, tirar férias pode parecer uma tarefa desafiadora. Afinal, quando se tenta conciliar datas judiciais, reuniões com clientes, estudo de casos, procedimentos jurídicos e administrativos, o tempo de inatividade pode parecer impossível. Mas há uma forma de conseguir. Tirar férias não tem de significar que a prática ou o escritório de Advocacia pare de funcionar, sobretudo se seguir alguns procedimentos. 

(1)

Planear com antecedência

·        Conhecendo a sua prática e os casos e clientes que tem em mãos, bem como as rotinas dos tribunais e serviços, comece por identificar as ‘épocas baixas’ do seu calendário: normalmente, esses momentos também correspondem a períodos em que os seus próprios clientes estarão de férias ou de fim-de-semana prolongado e a probabilidade de necessitarem dos seus serviços será baixa. Além disso, se deixar alguém a tratar das suas questões, também será mais fácil conseguirem dar resposta às solicitações.

·        Outros benefícios de planear com antecedência são a possibilidade de agendar reuniões e outros compromissos fora desse período, antecipar problemas e resolver preocupações comuns dos clientes que podem surgir enquanto se estiver fora.

·        Por fim, é preciso lembrar que não é possível antecipar todos os desenvolvimentos que podem ocorrer enquanto estiver fora, mas é possível estar preparado para os gerir desde que se possa estar num local com Internet confiável e com o computador e telefone por perto – sobretudo para os que trabalham sozinhos.

(2)

Comunicar os

Planos de férias

·        Para ajudar a estabelecer limites, a comunicação é essencial. Todos os que podem ser afetados, incluindo clientes, colegas de trabalho, etc., devem saber quando e durante quanto tempo vai estar ausente, bem como que expectativas devem ter sobre a sua disponibilidade durante esse tempo fora.

·        O primeiro passo é avisar os clientes através de um e-mail ou telefonema, comunicando quando vai estar ausente, mas também garantir-lhes que o seu acompanhamento jurídico continuará sem qualquer interrupção.

·        Deve ficar claro se vai estar completamente offline ou se vai definir um período para responder a e-mails e chamadas, etc. Antes de viajar, devem criar-se mensagens de ‘out-of-office’ no telefone e e-mail, comunicando a disponibilidade ou como se deve proceder durante a ausência.

·        Também se pode colocar filtros de e-mail para reduzir mensagens desnecessárias, como newsletters e promoções, uma prática que pode ajudar a verificar mais rapidamente as mensagens verdadeiramente importantes, se se optar por verificar as comunicações durante as férias.

·        Se e quando for possível, também se pode optar por designar um contato alternativo (outro Advogado da equipa ou um assistente legal) que assumirá as preocupações dos clientes durante as férias e que garantirá a continuidade da gestão do caso, mesmo quando o Advogado principal tira alguma folga.

·        Esta estratégia abrangente garante que ambas as partes – o Advogado que desfruta das suas férias de verão sem stress e o cliente que precisa de uma resposta para o seu problema jurídico – possam ficar tranquilas sabendo que tudo é resolvido de forma eficiente.

(3)

Delegar tarefas

·        Para aqueles que tenham essa possibilidade, a solução também pode passar por delegar os casos mais complicados ou urgentes num colega de escritório igualmente competente e capaz de gerir a maioria das tarefas – basta que isso seja feito com aviso prévio e tempo de preparação.

·        Investir em softwares de gestão de processos com acesso através de cloud, também pode ajudar a garantir que os colegas tenham acesso a todas as informações relevantes, mesmo quando se estiver fora do escritório.

·        Além dos colegas Advogados, há tarefas que podem ser asseguradas pelos assistentes legais ou pelos administradores do escritório ou da prática, desde que preparados de forma eficaz para garantir uma navegação tranquila durante a ausência do Advogado.

·        Para isso, devem definir-se expectativas claras, quer dizer, comunicar claramente que tarefas terão de realizar, seja supervisionar funções de gestão de casos ou assegurar reuniões com clientes. Nos casos em que isso for necessário, deve fornecer-se formação adequada ou recorrer-se a software jurídico que ajude a organizar as tarefas.

(4)

Pôr a tecnologia a trabalhar para si

·        Sabemos que o tratamento de casos jurídicos requer a atenção total de um Advogado. No entanto, atualmente, com o uso correto de software de gestão de práticas jurídicas, manter essa atenção sobre os casos, mesmo estando longe do escritório, é mais fácil.

·        Essas plataformas podem automatizar muitas partes das operações do escritório de Advocacia, permitindo que se mantenha as tarefas essenciais em funcionamento, mesmo quando se estiver ausente.

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Ter um plano de sucessão

·        Ter um plano de sucessão no escritório de Advocacia – isto é, ter uma pessoa que se assume como ‘substituto’ caso lhe aconteça alguma coisa (ou, neste caso, esteja de férias) -, não é apenas um protocolo de emergência, é a espinha dorsal de qualquer prática bem organizada. Ele garante que as necessidades dos clientes serão atendidas e que os serviços jurídicos continuem a ser executados sem problemas.

·        O passo inicial neste procedimento é determinar quem assumirá o controle quando estiver ausente: pode ser outro sócio ou talvez um associado sénior do escritório – alguém que deve estar familiarizado com os casos e ser capaz de assegurar o relacionamento com os clientes.

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Preparar o regresso

·        Tal como pode haver ‘aquele’ stress antes de ir de férias, para deixar tudo preparado, também acontece o contrário: os Advogados que agendam, logo para o primeiro dia depois de férias, reuniões com clientes ou presenças em tribunal não só terão mais dificuldade em aproveitar o tempo de pausa como os benefícios que esta lhes proporcionou se esvairão em poucas horas.

·         Assim, o ideal é deixar um ou dois dos primeiros dias do regresso para verificar e limpar a caixa de correio, responder a mensagens e telefonemas e para se por a par do que aconteceu durante a ausência e reunir com quem ficou a trabalhar os casos e os clientes.