Em junho, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, o “Plano de Ação para as Migrações” que, segundo o executivo, “visa corrigir os graves problemas nas regras de entrada em Portugal, resolver a incapacidade operacional da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e assegurar a operacionalidade dos sistemas de controlo das fronteiras”. Segundo o documento, “além do processo de entrada, outro eixo fundamental do Plano de Ação passa por atuar na integração dos imigrantes, para que esta seja efetiva e funcione”.
Problemas herdados do período demasiado longo que se seguiu à extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e que levaram a uma degradação do atendimento da AIMA – que ‘substituiu’ o SEF – praticamente desde o início das suas funções. Desde problemas com a estrutura documental, até dificuldades materiais, como a falta de pessoal especializado e de meios informáticos – a fraca performance da AIMA tem vindo, nos últimos meses, a estar debaixo do ‘holofote’ da comunicação social, sobretudo, devido às filas de espera em condições degradantes para as pessoas em busca da legalização da sua presença em Portugal.
Mas os trabalhadores da AIMA também se têm confrontado com questões de identidade institucional – tudo, porque a agência nasceu da fusão de duas estruturas com culturas (e funções) diferentes: a área documental do SEF e os funcionários do Alto Comissariado para as Migrações, não tendo havido formação ou, sequer, um enquadramento das suas funções.
O plano agora aprovado pelo novo executivo, assenta no princípio de que “Portugal precisa e quer acolher mais imigrantes – por motivos demográficos, sociais e económicos”, defendendo “uma imigração que deve ser regulada e fiscalizada, acompanhada de uma integração humanista”. O plano está dividido em quatro grandes eixos de atuação: (i) imigração regulada, (ii) atração de talento estrangeiro, (iii) integração humana que funciona e (iv) reorganização institucional.
Das 41 medidas – que pode consultar na caixa, abaixo – destacam-se alguns pontos essenciais, tais como:
Fim das manifestações de interesse
O Plano agora aprovado revogou vários pontos dos artigos 88 e 89 do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (mais conhecido como Lei dos Estrangeiros). Até agora, um imigrante que entrasse com visto de turista poderia apresentar uma manifestação de interesse junto dos serviços e iniciar o seu processo de regularização. Após obter um contrato de trabalho e fazer descontos durante 12 meses acabava por preencher os requisitos para aceder a um título de residente.
A partir de agora, já não será possível a um estrangeiro com visto de turista tratar da sua regularização em Portugal, necessitando de um contrato de trabalho ou de outra solução tratada previamente na rede consular portuguesa.
Reforço da rede diplomática
O plano contempla o “reforço da capacidade de resposta e processamento dos postos consulares identificados como prioritários“, com o reforço de 45 elementos em 15 países, uma lista que inclui todos os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esse reforço deverá ter em consideração os fluxos migratórios sazonais, os objetivos estratégicos de atração de trabalhadores e a adequada implementação do Acordo de Mobilidade CPLP.
Transformação do visto CPLP em visto Schengen
O plano prevê a transformação, a prazo, do atual visto de mobilidade para imigrantes da CPLP num visto comunitário (Shengen), que permite circular pela União Europeia. O acordo de mobilidade celebrado representa “um compromisso que Portugal deve, não apenas manter, mas também empenhar-se na implementação das melhorias necessárias“, de modo que seja permitido o “acesso ao Espaço Shchegen dos titulares de autorização de residência CPLP“.
Para isso, o Governo vai prolongar, administrativamente, por um ano, os vistos CPLP que começam a expirar no final deste mês e, nos serviços da AIMA será aberto um espaço ‘online’ para os cidadãos lusófonos tratarem do seu processo.
Estrutura de Missão
O plano inclui a criação de uma “estrutura de missão, com recursos humanos, materiais e financeiros adicionais“, que terá responsabilidade na “apreciação expedita dos pedidos” e um reforço do atendimento presencial para resolver pendências.
Em paralelo, o plano prevê a “intervenção urgente nas infraestruturas, sistemas informáticos e bases de dados do controlo de fronteiras existentes” e a recuperação do atraso na implementação dos novos sistemas de controlo de fronteiras (‘smart borders’).
Atração de quadros estrangeiros
No plano de atração de recursos, o executivo vai ainda fazer um “levantamento de necessidades laborais de recrutamento de trabalhadores estrangeiros“, com a rede de Gabinetes de Inserção Profissional do IEFP. O plano propõe um “sistema de atração de capital humano“, que inclui a colaboração com “confederações e associações empresariais” para trazer trabalhadores necessários para o tecido económico português, embora sem referir qualquer política de quotas.
Centros de emergência e reforço do asilo
O governo prevê criar “centros de acolhimento municipal/intermunicipal de emergência de imigrantes“, o primeiro dos quais em Lisboa – para dar resposta à situação de sem-abrigo de muitos imigrantes na capital. O plano contempla ainda o aumento da “capacidade das infraestruturas necessárias para a instalação temporária de cidadãos estrangeiros nos espaços equiparados a centros de instalação temporária“, a criação de novos espaços e novos “acordos de cooperação com organizações não governamentais e sociais para aumentar vagas para requerentes de asilo e refugiados“.
Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP para fiscalizar imigrantes
O Governo vai também criar uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF) na PSP para fiscalizar a presença de imigrantes no país, “atribuindo-lhe as competências do controlo de fronteira, de retorno (hoje na AIMA) e de fiscalização no território nacional“.
Outras medidas são a criação de “uma equipa multi-forças de fiscalização para combater abusos relacionados com permanência ilegal, tráfico de seres humanos, auxílio à imigração ilegal, exploração laboral e violação de direitos humanos dentro do território nacional” e a realização de uma “auditoria aos procedimentos de formação e avaliação linguística realizados para efeitos da obtenção da nacional portuguesa“.
Reorganização da AIMA
O documento prevê a “reestruturação da AIMA, retirando-lhe as competências de instrução e decisão dos processos de retorno, autonomizando o Conselho para as Migrações e Asilo, clarificando as competências de atração de imigrantes qualificados (capital humano), sedimentando o Observatório para as Migrações e redefinindo a localização dos espaços de atendimento”.
A AIMA passará a ter responsabilidade pelo atendimento presencial dos pedidos de renovação de autorização de residência, atualmente no Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), concentrando na instituição “o tratamento e decisão de todos os pedidos de documentação de cidadãos estrangeiros“.
Em paralelo, o Governo promete “reforçar a capacidade operacional da AIMA, nomeadamente dos recursos humanos e tecnológicos” – procurando criar “um incentivo à produtividade e desempenho” dos funcionários – e “classificar o Observatório das Migrações como organismo do Estado para apoio à política pública, em articulação com o Conselho para as Migrações e Asilo“, que se irá autonomizar.
Reforço do apoio à integração
O plano prevê o reforço dos apoios às associações de imigrantes e às organizações não governamentais e mais “descentralização da resposta à integração e regularização” de processos, através da “abertura de novos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes em estreita cooperação com as autarquias e entidades da sociedade civil“.
O documento inclui ainda “projetos de integração em bairros ou áreas urbanas muito críticas, em que se verifique a falta de investimento em estratégias intersetoriais entre o setor público, social e privado, direcionadas para a integração de comunidades imigrantes sob coordenação e direção municipal“.
Em paralelo, o plano contempla o reforço da “oferta, cobertura e frequência do ensino do Português Língua Não Materna, a simplificação do processo de concessão de equivalências para uma célere integração de alunos migrantes no ensino básico e a promoção do acesso ao Serviço Nacional de Saúde”.
Documentos e vistos de estrangeiros com prazo alargado um ano
Entretanto, o Governo alargou o prazo dos documentos e vistos de cidadãos estrangeiros no país pelo período de um ano em relação à sua validade, devido aos atrasos verificados na regularização da situação de milhares de pessoas e para “garantir um tempo suficiente de estabilização” dos serviços da AIMA na resposta mais eficaz aos cidadãos.
O decreto-lei foi publicado a 28 de junho e também atribui novas competências à AIMA “no âmbito da captação e retenção de capital humano qualificado”, e contempla a reformulação do enquadramento do Observatório das Migrações.
No documento, o Governo alude aos “atrasos verificados na Administração Pública na tramitação dos procedimentos de renovação e prorrogação de documentos relativos à permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional” para justificar o alargamento dos prazos estabelecidos em 2020.
De acordo com o decreto-lei, os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2025 “desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respetiva renovação”.
Quanto ao Observatório das Migrações, “é-lhe restituído o estatuto de órgão para informar política pública, dotando-o da capacidade necessária para garantir, na sua plenitude, os compromissos anuais de monitorização e reporte das tendências de migração e asilo e conferindo-lhe uma autonomia determinante, enquanto parte integrante daquele instituto público [AIMA], para o cumprimento da sua missão num contexto de crescente pressão migratória”.
Plano de Ação para as Migrações: as 41 medidas |
EIXO: IMIGRAÇÃO REGULADA
Revisão das Regras de Entrada · Extinguir o procedimento de Manifestações de Interesse · Reforçar a capacidade de resposta e processamento nos Postos Consulares · Priorizar canais de entrada para reagrupamento familiar, jovens estudantes e profissionais qualificados Resolução de Pendências e Situações Irregulares · Criar Estrutura de Missão para resolver os +400 mil processos pendentes Assegurar o Sistema Informático de Controlo de Fronteiras · Intervir de forma urgente nas infraestruturas, sistemas informáticos e bases de dados do controlo de fronteiras existentes · Recuperar o atraso na implementação dos novos sistemas de controlo de fronteiras · Mitigar os elevados níveis de congestionamento e atrasos que se verificam nos postos de fronteiras dos aeroportos de Lisboa e Faro Cumprir com Humanismo os Compromissos de Portugal · Reforçar o enquadramento operacional do Acordo de Mobilidade CPLP · Confirmar e executar os compromissos de reinstalação e recolocação de beneficiários e requerentes de proteção internacional · Desenvolver e executar o Plano Nacional para a Implementação do Pacto para as Migrações e Asilo da União Europeia Receção e Retorno Eficazes e Humanos · Aumentar a capacidade dos Espaços Equiparados a Centros de Instalação Temporária (EECITs) · Construir novos Centros de Instalação Temporária (CIT), assegurando o apoio jurídico e da sociedade civil · Instituir mecanismos de celeridade processual a aplicar nos processos de recursos judiciais, em sede de imigração e asilo · Garantir a eficiência e eficácia do sistema de retorno, unificando estas competências nas forças policiais Fiscalização em Território Nacional · Criar uma equipa multi-forças de fiscalização para combater abusos (tráfico seres humanos, imigração ilegal, exploração laboral e violação de direitos humanos) · Auditar os processos de avaliação linguística para a obtenção de nacionalidade portuguesa EIXO: ATRAÇÃO DE TALENTO ESTRANGEIRO Captação de Capital Humano · Instituir um sistema de atração de capital humano alinhado com as necessidades do país · Melhorar o processo de reconhecimento de qualificações e competências · Promover a formação profissional e capacitação de cidadãos estrangeiros · Realizar um Levantamento de Necessidades Laborais, alinhando a oferta e a procura de trabalhadores estrangeiros e o seu acolhimento programado · Promover a atração e frequência de alunos estrangeiros nas Instituições de Ensino Superior portuguesas EIXO: INTEGRAÇÃO HUMANISTA QUE FUNCIONA Acolhimento · Aumentar as vagas para requerentes de asilo e refugiados nos centros de acolhimento · Aumentar a capacidade das Unidades Residenciais especializadas para acolhimento de emergência de menores não acompanhados · Aumentar a capacidade de alojamento temporário e urgente para imigrantes, refugiados e beneficiários de proteção internacional · Promover a integração profissional de imigrantes no mercado de trabalho nacional · Criar Centros de Acolhimento Municipal/Intermunicipal de Emergência para imigrantes, em cooperação com os Municípios · Implementar projetos de integração em bairros muito críticos sob coordenação municipal Língua Portuguesa · Reforçar oferta, cobertura e frequência do ensino do Português Língua Não Materna (PLNM) · Disponibilizar materiais e orientações multilíngues, incluindo em português funcional Resposta dos Serviços Públicos · Simplificar o processo de concessão de equivalências no ensino básico · Promover e gerir o acesso dos imigrantes ao Serviço Nacional de Saúde Mobilização de Recursos Privados para Financiar a Integração · Criar instrumentos de canalização de capital privado para investimento social em projetos de integração de imigrantes EIXO: REORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL Rever a Arquitetura Institucional das Políticas Migratórias · Criar a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP · Restruturação das competências e organização interna da AIMA · Reforçar os recursos humanos e tecnológicos da AIMA, criando um incentivo à produtividade e desempenho · Transferir a competência de atendimento presencial dos pedidos de renovação de autorização de residência do IRN para a AIMA · Alargamento do serviço presencial disponível para o cidadão imigrante pedir os seus identificadores setoriais (NIF, NISS, NNU) · Restituir o Observatório das Migrações enquanto organismo do Estado para informar política pública Descentralizar: Reforçar Papel dos Municípios e Sociedade Civil · Redefinir e autonomizar o Conselho para as Migrações e Asilo, enquanto órgão consultivo do Governo · Reforçar o apoio financeiro às associações de imigrantes e da sociedade civil que operam no setor · Fortalecer as respostas de proximidade através dos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) |