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Junho começa com o Dia Mundial da Criança, uma data estabelecida oficialmente em 1950 por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), na sequência do congresso da Federação Democrática Internacional das Mulheres, realizado em 1949, em Paris. Na altura, esta efeméride teve como objetivo chamar a atenção para os problemas que as crianças então enfrentavam: nesse dia, os Estados-membros da ONU reconheceram que todas as crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social, país de origem, têm direito a afeto, amor e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, proteção contra todas as formas de exploração, bem como a crescer num clima de paz e fraternidade.

Portugal, à semelhança de outros países, adotou o dia 1 de junho para celebrar o Dia da Criança com o objetivo de sensibilizar para os direitos das crianças e para a necessidade de promover uma melhoria das condições de vida, tendo em vista o seu pleno desenvolvimento. No entanto, para a ONU, 20 de novembro é que é considerado o Dia Mundial da Criança, dia em que se celebram dois marcos importantes: em 1959 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança e, em 1989 foi adotada pela Assembleia Geral da ONU a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que Portugal ratificou no dia 21 de setembro de 1990. Não existe uniformização de data para a celebração dos direitos das crianças, contudo, o seu objetivo será sempre o mais nobre: promover os direitos e o bem-estar de todas as crianças, onde quer que estejam.

Declaração Universal dos Direitos da Criança

A Declaração Universal dos Direitos da Criança, também conhecida como a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança, é um documento internacional que promove os direitos da criança. Em 1924, a International Save the Children Union publicou o texto da primeira declaração internacional de direitos da criança, tendo sido adotada pela Liga das Nações (antecessora da ONU) em 1924. O documento original está arquivado em Genebra, com assinaturas da Eglantyne Jebb, fundadora da Save the Children e que redigiu o texto, de Janusz Korczak e de Gustave Ador.

Em 1925, foi proclamado em Genebra o Dia Internacional da Criança, durante a Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança, sendo celebrado desde então a 1 de junho em vários países. Mais tarde, através da Resolução 1386 (XIV), a ONU, sucessora da Liga das Nações, decidiu adotar e expandir o texto da declaração, ratificando-a a 20 de novembro de 1959. A declaração foi sucedida pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada em 1989 pela ONU.

O preâmbulo do texto proclamaesta Declaração dos Direitos da Criança com vista a uma infância feliz e ao gozo, para bem da criança e da sociedade, dos direitos e liberdades aqui estabelecidos e com vista a chamar a atenção dos pais, enquanto homens e mulheres, das organizações voluntárias, autoridades locais e Governos nacionais, para o reconhecimento dos direitos e para a necessidade de se empenharem na respetiva aplicação através de medidas legislativas ou outras progressivamente tomadas” de acordo com 10 princípios (ver caixa).

Portugal: os Direitos das crianças

O sistema de Justiça de crianças e jovens em Portugal assenta em dois importantes diplomas legais aprovados pela Assembleia da República em 1999:

  • Lei n.º 147/1999, de 1 de setembro, que aprovou a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), alterada pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro e pela Lei n.º 23/2017, de 23 de maio;
  • Lei nº 166/1999, de 14 de setembro, que aprovou a Lei Tutelar Educativa (LTE), alterada pela Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro.

Para além destes dois diplomas, existe ainda um regime especial previsto no Decreto-lei n.º 401/1982, de 23 de setembro, que se aplica a jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos que pratiquem factos qualificados pela lei penal como crime.

Genericamente, em Portugal, as crianças têm direito a crescer num ambiente seguro, devendo ser protegidas da instabilidade e da insegurança física ou emocional que podem afetar o seu desenvolvimento, a sua autoconfiança e a sua capacidade de aprender. Os pais e as mães são responsáveis por supervisionar e educar os seus filhos e por garantir esse ambiente seguro. A lei proíbe a violência física ou emocional contra as crianças, constituindo uma violação dos direitos da criança e um crime que pode levar à intervenção da polícia e da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

Os direitos das crianças começam logo que nasce um bebé, adquirindo o estatuto de personalidade e tendo direito a um nome e aos documentos que o identificam enquanto cidadão. Para isso, o registo de nascimento é obrigatório (e gratuito) e deve ser realizado no prazo de 20 dias, em qualquer conservatória do registo civil. Regra geral, a responsabilidade parental é partilhada pelo pai e pela mãe, mesmo após uma separação: questões importantes sobre a educação, a saúde, etc. continuam a ser decididas em conjunto.

Crianças e violência doméstica

O primeiro pilar da vida das crianças deve ser assegurado pelos pais, responsáveis por criar um ambiente de afetos, seguro e livre de violência. Qualquer comportamento destinado a dominar outra pessoa, ou que force a sua vontade ou desrespeite os seus direitos é violência, mesmo que não haja agressão física. Por vezes, as próprias crianças são vítimas diretas destes comportamentos. No entanto, mesmo quando são apenas testemunhas, os filhos são profundamente afetados: presenciam a violência, veem os seus efeitos na vítima, e começam a viver com medo, ansiedade e sentimentos de culpa.

Esta é uma realidade presente no nosso país, com mais de cinco mil crianças e jovens, nos últimos três anos, a sofrerem agressões ou a serem expostas a situações de violência doméstica. Segundo dados da APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (2024), 62,6% dos episódios de violência acontecem em família e em casa. Assim, não é estranho que os filhos que estão presentes nestes contextos sejam também considerados vítimas. Os menores representam 15,9% das pessoas apoiadas pela associação (quase cinco mil crianças e jovens), e isto não significa que tenham sido agredidas ou insultadas diretamente, mas podem ter presenciado a violência.

Nos casos mais graves, a solução limite é retirar estas crianças e jovens às famílias: de acordo com o último “Relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens)”, do Instituto da Segurança Social, em 2022 foram retirados aos pais e deram entrada no sistema de acolhimento 229 menores por maus-tratos psicológicos provocados por exposição a violência doméstica. Representam 10% de todas as novas entradas. Nesse ano, havia 720 crianças institucionalizadas pelo mesmo motivo, mais 30% quando comparado com 2016 — o primeiro ano em que esta causa é contabilizada.

Também o mais recente relatório anual de avaliação da atividade da CPCJ mede o impacto da violência doméstica sobre os menores: é a situação de perigo mais comunicada e está a crescer há pelo menos quatro anos. Em 2022, houve mais de 16 mil casos reportados, mais do que as denúncias de negligência ou maus-tratos físicos e psicológicos. Entre os casos mais graves reportados de todas as categorias e que levaram à aplicação de uma medida de promoção e proteção pelas CPCJ mais de 13 mil envolviam exposição da criança a violência doméstica.

 

Declaração Universal dos Direitos da Criança

Princípio 1.º

A criança gozará dos direitos enunciados nesta Declaração. Estes direitos serão reconhecidos a todas as crianças sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou outra da criança, ou da sua família, da sua origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou de qualquer outra situação.

Princípio 2.º

A criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.

Princípio 3.º

A criança tem direito desde o nascimento a um nome e a uma nacionalidade.

Princípio 4.º

A criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos.

Princípio 5.º

A criança mental e fisicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição.

Princípio 6.º

A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excecionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência. Para a manutenção dos filhos de famílias numerosas é conveniente a atribuição de subsídios estatais ou outra assistência.

Princípio 7.º

A criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares. Deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade.

O interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais.

A criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a atividades recreativas, que devem ser orientados para os mesmos objetivos da educação; a sociedade e as autoridades públicas deverão esforçar-se por promover o gozo destes direitos.

Princípio 8.º

A criança deve, em todas as circunstâncias, ser das primeiras a beneficiar de proteção e socorro.

Princípio 9.º

A criança deve ser protegida contra todas as formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá ser objeto de qualquer tipo de tráfico. A criança não deverá ser admitida ao emprego antes de uma idade mínima adequada, e em caso algum será permitido que se dedique a uma ocupação ou emprego que possa prejudicar a sua saúde e impedir o seu desenvolvimento físico, mental e moral.

Princípio 10.º

A criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Deve ser educada num espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universal, e com plena consciência de que deve devotar as suas energias e aptidões ao serviço dos seus semelhantes.